Título: STF revê jurisprudência com nova composição
Autor: Teixeira, Fernando e Baeta, Zínia
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Conhecido como o "voto vencido" do Supremo Tribunal Federal (STF) por suas posições inusuais, o ministro Marco Aurélio de Mello está colocando a fama à prova com a nova composição do tribunal. Uma série de mudanças recentes na jurisprudência do tribunal ou a rediscussão de casos foram originadas por iniciativa do ministro ao reencaminhar ao plenário disputas nas quais foi vencido no passado. Entre as mudanças importantes saídas da política "revisionista" de Marco Aurélio está a possibilidade de progressão de pena para os crimes hediondos. Com boas chances de ter um novo entendimento estão ainda pendentes julgamentos sobre o depósito prévio de 30% exigido dos contribuintes interessados em recorrer administrativamente de autuações do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

O ministro confirma a política de reencaminhar antigas disputas ao plenário para tentar mudar a posição da corte, mas acha graça do fim da fama de voto vencido. "O direito está em plena evolução. Tento afetar ao plenário temas em que vejo conflito entre a jurisprudência do tribunal e a Constituição Federal", diz. Marco Aurélio afirma, contudo, que não se trata de uma revisão sistemática: não sabe exatamente quantos processos já foram enviados ao plenário e não possui previsão do próximo caso que tentará levar para revisão.

Com seis novos ministros nomeados desde 2003 - mais da metade da casa - o Supremo passou por uma renovação acelerada. Ainda voto vencido em algumas disputas - como no caso da constitucionalidade da proibição do nepotismo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - o ministro já não está sempre isolado. Na semana passada, Marco Aurélio não saiu sozinho em um julgamento importante graças à companhia de duas das novas nomeações da corte. No julgamento da constitucionalidade de leis do Distrito Federal que exigiam o detalhamento das contas e contagem de pulsos pela operadora local de telefonia, Marco Aurélio perdeu na companhia de Carlos Britto e Joaquim Barbosa.

A principal mudança resultante das revisões propostas por Marco Aurélio, diz ele, é o regime de cumprimento de penas, com a declaração da inconstitucionalidade de um dispositivo da Lei de Crimes Hediondos - a Lei nº 8.072, de 1990. Segundo o ministro, vigia até então o entendimento de 1992 favorável à manutenção do texto, em razão de um julgamento no qual saiu vencido.

No caso da prisão do depositário infiel, apesar do entendimento tradicional da corte ser favorável à prisão, alguns habeas corpus recentes das turmas vêm concedendo a liberdade aos réus, ainda que o tema não tenha ido a plenário. No caso do depósito prévio de 30% para o recurso administrativo em autuações do INSS, o tribunal tende a rever a postura adotada desde 1999, quando foi julgada uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) sobre o tema. Em 23 de abril, O caso teve cinco votos contrários à exigência do depósito prévio e um pela manutenção do entendimento antigo, do ministro Sepúlveda Pertence. A um voto de obter maioria pela mudança da regra, o fim julgamento é ansiosamente esperado por advogados tributaristas, pois trata-se de uma das principais disputas da área.

Outra revisão levantada por Marco Aurélio, segundo o coordenador-geral da representação judicial da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, refere-se à correção da tabela do imposto de renda para pessoas físicas. O procurador afirma que o ministro levou para o pleno um recurso do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte que aborda o assunto. De acordo com Fabrício, a Lei nº 9.250, do imposto de renda, estabelece os valores em reais, sem citar índices de correção. "Mas Marco Aurélio sugeriu que o índice seja a taxa Selic", afirma. O julgamento, ocorrido na quinta-feira, foi interrompido por um pedido de vista da nova ministra Cármen Lúcia. Há também a revisão da constitucionalidade da Lei nº 8.200, de 1991, que trata do índice de correção dos balanços das empresas e da forma de aproveitamento do mesmo.

Para Da Soller, não faz sentido um tribunal superior alterar sua jurisprudência em razão de uma nova composição da corte. "Tendo ocorrido um efetivo debate sobre a matéria, não há razão para reabrir a questão", afirma. De acordo com o procurador, o Poder Judiciário é apontado por consultorias internacionais como um dos entraves para investimentos no Brasil, não só pela morosidade, mas também pela insegurança jurídica.