Título: Doha pode levar Brasil a adiar disputas
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2006, Brasil, p. A4

Empenhado em reverter o fracasso da rodada de negociações comerciais na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro poderá, se necessário, adiar decisões relativas às disputas comerciais travadas pelo Brasil, como a contestação aos subsídios dos Estados Unidos aos produtores locais de algodão. "Não vamos perder nenhum prazo, nem deixar de fazer nada que tenhamos de fazer, mas se for o caso de esperar 15 dias, 20 dias, um mês em função de algum outro sinal, vamos levar isso em conta", informou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao Valor.

Amorim deixa claro que não é retórica a ênfase conferida pelo Itamaraty às negociações da Rodada Doha que, em julho, foi paralisada com a constatação de que Estados Unidos e União Européia não estavam dispostos a fazer as concessões pedidas em matéria de redução de subsídios e tarifas de importação para produtos agrícolas. Ele mostra pouco entusiasmo com as negociações bilaterais de abertura comercial. Embora Mercosul e União Européia devam retomar as conversas sobre um acordo de livre comércio entre os dois blocos, em setembro, ele não espera resultados tão cedo.

"Não vejo um grande momento ocorrendo nos próximos meses. A concentração dos ministros está em outros temas", comentou. Ele argumenta que, embora teoricamente a negociação entre Mercosul e UE, por ter menos atores, poderia ser considerada menos complexa, a discussão "também é difícil, requer decisões ministeriais e, em alguns casos, presidenciais".

Ao ouvir referências às negociações bilaterais, Amorim lembra sempre - como fez na semana passada em depoimento ao Senado sobre o fiasco na OMC -, que as equipes negociadoras estão "sobrecarregadas", ainda, com a discussão dos temas da OMC. "Não pode sobrecarregar demais os sistemas porque senão eles entram em colapso", afirma.

Para ele, os mecanismos decisórios nos países estão muito concentrados no debate multilateral, sem espaço para a complexidade das discussões de abertura bilateral. Lembrado que há negociações de acordos do gênero em todo o mundo, o ministro minimiza a importância das discussões existentes. "Não vejo fazerem acordo com a Índia, a China ou o Japão; estão fazendo com países onde a discussão é mais simples", argumenta.

Ele cita a representante de Comércio dos Estados Unidos (cargo com status de ministra), Susan Schwab, que, em visita ao Brasil, disse só ver possibilidade de discutir um acordo de comércio entre EUA e Mercosul após a definição na OMC. "Sempre dizemos, um para o outro e para quem nos ouça, que vamos continuar trabalhando, vamos fazer, mas é evidente que as atenções estarão concentradas na OMC", disse ele. "Estamos tratando de salvar um dos edifícios mais importantes criados desde a Segunda Guerra Mundial."

Ele diz que um acordo entre Brasil e Estados Unidos é bem mais complexo que os tratados firmados pelos americanos até agora, com as nações centro-americanas, ou o Chile. "Nos acordos que conheço (os parceiros dos EUA) aceitaram o modelo básico que foi colocado para eles", aponta. "Não posso aceitar um acordo que signifique reverter nossa política de saúde em relação a patentes, abdicar da proteção à nossa biodiversidade, impossibilitar uma política de compras governamentais que ajudou a melhorar nossos estaleiros, nas compras de plataformas de petróleo", relaciona Amorim.

Às voltas com uma disputa com os EUA no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, em que contesta os subsídios aos produtores americanos de algodão, Amorim mostra preocupação em não fazer nenhum gesto que possa ser interpretado como sinal de hostilidade, ou represália a um dos principais atores na OMC. "Não quero fazer uma ameaça: os caminhos legais serão percorridos", afirma.

Ele é reticente quando perguntado se o Brasil planeja abrir novos processos contra subsídios ou medidas de comércio irregulares de outros sócios na OMC. "Isso tem de ser analisado com muito cuidado", diz. Ele afirma não ter hesitado abrir o caso contra os EUA e o subsídio ao algodão, quando as consultas sobre o tema não resultaram em nada. "Não hesitarei também em outros casos, mas vamos ver, há momentos e momentos", argumenta. "Estamos no meio de uma negociação. É preciso ver direitinho iniciativas de levar disputas para a corte na OMC - às vezes pode, às vezes não pode", complementa, dizendo apenas que o governo "não exclui" a hipótese.

"Não vamos renunciar a nenhum de nossos direitos", assegura, lembrando também que o governo brasileiro sempre incluiu ressalvas, durante as discussões da Rodada Doha, para assegurar a manutenção dos casos movidos contra Europa e Estados Unidos por subsídios ilegais.

Amorim garante sentir em todos os interlocutores na OMC interesse verdadeiro em encontrar uma saída para o impasse nas discussões. No momento, todos estão apenas mantendo os contatos, para não dar razão aos pessimistas, comenta, e para explorar alternativas de retomada das negociações. Em conversa por telefone, na semana passada, com Susan Schwab e com o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, o ministro discutiu os planos de realizar uma reunião ministerial à margem do encontro do Grupo de Cairns, associação dos principais produtores agrícolas mundiais, que comemorará, na Austrália, seu aniversário de 20 anos em 20 de setembro. "Meu problema é que, no dia 19, tenho de estar na Assembléia Geral das Nações Unidas".

Nos dias 9 e 10 de setembro, Amorim pretende reunir no Rio, com o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, ministros do G-20, o grupo de países em desenvolvimento que se contrapõe aos EUA e UE na discussão sobre agricultura na OMC. É uma reunião para informar os outros países das discussões mantidas pela Índia e Brasil em Genebra e demonstrar que ficou para trás o tempo em que as decisões na OMC eram assunto quase exclusivo dos países desenvolvidos, define o ministro.