Título: Oferta só em dinheiro é o trunfo da Vale
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2006, Empresas & Tecnologia, p. B1

A Vale do Rio Doce já pôs seu time em campo no Canadá para assegurar uma aceitação de sua oferta de compra da Inco, tanto da parte dos acionistas da empresa, quanto das autoridades governamentais. Hoje, a companhia formaliza junto à Inco, por meio de órgãos oficiais do mercado de capitais, sua oferta não solicitada de US$ 17,7 bilhões por 100% das ações da mineradora canadense, segunda maior produtora mundial de níquel. Dois diretores-executivos - Murilo Ferreira e Gabriel Stoliar, das áreas de novos negócios e de planejamento -, estão no país para entregar em mãos às autoridades locais a documentação que contém os compromissos da mineradora brasileira em relação ao futuro da Inco no Canadá.

Entre as exigências do governo canadense estão compromissos da Vale de não demitir empregados, desmobilizar operações ou desativar unidades da empresa alvo de aquisição e planos para o futuro da empresa.

As próximas semanas serão de muito trabalho para a Vale, pois em 45 dias terá a resposta da direção da Inco e do governo canadense em relação a suas intenções de compra da empresa. Dependendo da documentação entregue ao Canadian Investment Act, o governo do Canadá tem poderes para barrar a transação, caso não lhe agrade os compromissos da Vale ou outra empresa não-canadense que fizer propostas, como a americana Phelps Dodge, que está no páreo desde 26 de junho. Por isso, a Vale entende que estas negociações exigem presença física de seus executivos naquele país, além de contratar conselheiros, advogados e relações públicas locais para ajudar no convencimento das autoridades s sobre suas intenções, afirmou Tito Martins, diretor-executivo de assuntos corporativos da Vale.

Ele reconhece que o jogo não será fácil, mas está otimista porque, a seu ver, "a proposta da Vale é boa, ganhadora, bem melhor que a das concorrentes Phelps Dodge e Teck Cominco", pois é 100% em dinheiro. Martins aponta outra vantagem: "Como entramos nos últimos cinco minutos do jogo, os concorrentes vão ter de ajustar suas propostas, bem menos atrativas que a nossa".

No Brasil, a reação do mercado, na sexta-feira, quando as ações da Vale tiveram queda após o anuncio do negócio, não assustou a direção da companhia, afirmou. "Foi uma reação natural", disse ele, acrescentando que o mercado está indicando que a Vale tem chances de sair vencedora nessa disputa pela mineradora canadense. Um sinal foi a melhora das ações de Phelps e Teck Cominco. "A leitura, para nós, é de que nossa proposta é boa". Se a Vale ganhar a Inco, observou, será a segunda maior operação de aquisição mundial neste ano, depois da compra da Arcelor pela Mittal Steel, por US$ 33 bilhões, em um processo que durou seis meses.

Martins afirmou que o investidor de Vale não tem com que se preocupar, pois a compra da Inco, caso se efetive em 45 dias, não vai afetar os planos de investimentos em curso, os ganhos dos acionistas nem mesmo a distribuição de dividendos. "Não há intenção por parte da Vale em financiar essa dívida com o pool de quatro bancos europeus por meio de novas emissões de ações que possam diluir a participação dos minoritários."

Martins disse ainda que a Vale está tranqüila em relação ao endividamento, e que já está delineando um plano de alongamento dos créditos, que deverá estar desenhado no máximo em seis meses. "Poderá ser bônus, um pacote sindicalizado ou outro mecanismo; o mercado é criativo", afirmou.

A oferta em dinheiro é o trunfo da Vale. A brasileira está apostando no apelo que o dinheiro vivo oferecido terá sobre os acionistas da Inco. Por outro lado, uma oferta toda composta em dinheiro também limita o poder de fogo num leilão de preço entre vários competidores. Por conta do seu capital dividido em PNs e ONs, a Vale não consegue estruturar uma oferta para pagar parte em ações. "Ninguém quer as ações preferenciais da Vale numa troca", diz um banqueiro de investimentos. Roger Agnelli, presidente da Vale, deixou claro nas teleconferências realizadas com investidores que não vai abrir mão do grau de investimento da companhia. Ou seja, não vai fazer loucuras para levar a Inco.

Para Agnelli, a Inco é sobretudo uma oportunidade de acelerar a inserção da Vale em não-ferrosos. Considera que o mercado de níquel, usado na fabricação de aço inox, continuará ajustado. "Na minha visão, este deverá ser um ciclo mais longo (de preços altos)".

Martins disse que a Vale trabalhou dentro de um cenário conservador de demanda e preços futuros do níquel. Enxerga no mínimo três anos de demanda em alta, oferta apertada e preços elevados e que a Vale não aposta em retorno decrescente para a companhia e seus acionistas no caso de adquirir a Inco. Sobre a Vale estar pagando caro pela canadense, como avaliam alguns analistas, o diretor argumentou: "Este é o preço que conseguimos defender, é vitorioso, trás para nós mais valor e ganho para os acionistas da Vale".

Ele não espera enfrentar novas ofertas com valor superior, além de prováveis reações de quem já está no páreo. E não acredita que uma das três grandes gigantes Rio Tinto, BHP Billiton e Anglo American venham fazer ofertas. Nesta semana, vence na quarta-feira a proposta da Teck Cominco, canadense que propôs pagar 50% em dinheiro e 50% em ações, em valor total similar ao da Vale. Como é canadense, não precisou se submeter a avaliação do governo do Canadá.

A Vale, informou Martins, certamente fechará o capital da Inco (que está nas bolsas de Toronto e Nova York). Só isso praticamente muda, pois o nome da Inco, uma empresa de 104 anos, será mantido. "É uma marca muito forte."

A Vale pretende, caso tenha sucesso na oferta, manter quase toda a diretoria da Inco. "Precisamos muito do pessoal da Inco, que tem expertise no negócio de níquel, para ajudar em nossos projetos no Brasil", disse Martins. A mineradora brasileira não tem intenção de desacelerar seus dois projetos de níquel - Onça Puma e Vermelho, no Pará. "Pelo contrário, podemos acelerá-los com a ajuda deles para aproveitar sinergias com projetos em andamento na Inco."