Título: Na guerra com as operadoras a cabo, teles tentam inovar
Autor: Gimein, Mark
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2006, Empresas & Tecnologia, p. B2

Um dia desses em San Antonio, sentei-me num sofá para assistir televisão com dois executivos da AT&T e três auxiliares da área de relações públicas. Não é um emprego ruim, sentar-se num sofá confortável, numa sala com ar-condicionado, assistindo TV. E a maneira que eu cheguei a isso foi dizer ao pessoal de relações públicas da AT&T que estava fazendo uma reportagem que poderia acabar afirmando que nesta era de enormes revoluções tecnológicas, sua própria gigantesca empresa não estava contribuindo para a inovação, e sim ficando no caminho dela.

Não, não, disseram eles, isso está errado. Se eu pudesse, então, ver a nova tecnologia de vídeo da AT&T em ação... Cerca de 200 participantes de um teste foram os primeiros beneficiados da nova grande guerra de redes, o esforço das megacompanhias de telecomunicações para entrar na transmissão de imagens. Eles disseram, venha a San Antonio e levaremos você até a casa de um cliente para lhe mostrar.

Um dia antes de minha viagem para o Texas, quando retornava de um passeio pelos laboratórios da AT&T em Florham Park (Nova Jersey), um relações públicas havia esclarecido que eles não estão interessados em qualquer residência. "Centenas de jornalistas estão pedindo para ver isso", disse ele, e a empresa não pode pedir a todos os clientes que estão realizando os testes que recebam todos eles. Portanto, o cliente provavelmente seria alguém com alguma ligação com a companhia, embora não um funcionário. "Alguém amigável", disse o relações públicas.

Entretanto, quando cheguei ao Texas, outro relações públicas me confidenciou que, apesar de muitos pedidos da imprensa, eu seria apenas o segundo jornalista a ver o novo serviço de vídeo em ação. Você poderia pensar que encontrar um cliente disposto a receber dois jornalistas não deveria ser impossível, mas o orgulhoso dono da residência que me recebe em sua porta está bem-vestido demais para alguém que está em casa esperando um jornalista. E assim nos cumprimentamos e eu sento diante do aparelho de TV. Na poltrona ao meu lado, Jeff Weber, o vice-presidente da AT&T encarregado do Project Lightspeed (Projeto Velocidade da Luz), pega o controle remoto. Ele aperta um botão. O canal muda (muito mais rápido, observa ele, do que um sistema a cabo convencional). Ele aperta outro botão. O canal muda de novo. Ele faz um floreio e gesticula para o aparelho. "TV", diz ele. "Funciona."

Eu pergunto se esse sistema novo em folha vai me deixar gravar um programa enquanto assisto outro, como faz o TiVo ou meu próprio decodificador de TV a cabo em casa. Claro que sim, diz Weber, assim que a AT&T tiver construído e entregue a nova geração de decodificadores.

Enquanto isso, o dono da casa continua de pé, me observando assistir TV. Então eu tento quebrar o gelo, perguntando o que ele faz, supondo que ele não trabalha para a AT&T. Ele me corrige. Na verdade, trabalha para a AT&T.

"Então, o que exatamente você faz?", pergunto eu.

"Sou o arquiteto do Project Lightspeed." Por alguns segundos, fico desconcertado, me perguntando por quê ninguém me disse antes.

É um momento clássico, uma ilustração de onde está o poder nas telecomunicações. É difícil - ou melhor, impossível - pensar em outro setor tão ostensivamente concentrado na tecnologia e onde o principal arquiteto técnico de um projeto inovador de muitos bilhões de dólares não merece uma simples apresentação. Na verdade, em San Atonio, esse arquiteto, John Kirby, conseguiu habilmente desfazer qualquer confusão sobre o status da engenharia na companhia quando, após esclarecer o que ele faz, explicou que quando o assunto é projetos grandes e novos, "o marketing os sonha, e então eu tenho que projetá-los".

Bem-vindo ao "país das telecomunicações", uma terra estranha onde os maiores concorrentes falam sobre inovação, embora abordem novas idéias com passos de bebê, construam pouco, e quando pensam em tecnologia estão aptos a acreditar que trata-se de uma ameaça que precisam combater.

Caso você não esteja muito a par, depois que a companhia telefônica original, a American Telephone & Telegraph, foi desmembrada em 1984, os Estados Unidos ficaram com oito grandes telefônicas regionais. Ao longo da última década, essas companhias começaram a engolir umas às outras. Hoje restam quatro: AT&T, Verizon, BellSouth e Qwest.

Acompanhar as fusões e nomes é um desafio sem fim: a "nova" AT&T é na verdade a SBC rebatizada, que adquiriu o venerável nome no ano passado - e está em meio a processo de compra da BellSouth. Isso deixará duas companhias telefônicas gigantes, a Verizon e a AT&T, e uma muito menor, a Qwest. As maiores companhias de telefonia sem fio são a Verizon Wireless, controlada majoritariamente pela Verizon e o velho monopólio Ma Bell, mas isso representa muito poder nas mãos de apenas duas companhias.

Uma maneira em que essas companhias são muito diferentes do velho monopólio telefônico é que enquanto a AT&T original tinha uma operação de pesquisas de classe mundial, suas sucessoras não têm. Um dos fatos marcantes da revolução nas comunicações é que praticamente todas as novas tecnologias que a tornaram possível foram desenvolvidas fora do mundo da telefonia.

No ano passado, a receita da Verizon chegou perto de US$ 80 bilhões. A AT&T (sem a BellSouth ou a Cingular) teve receita de US$ 44 bilhões. E embora a Intel tenha aplicado US$ 5,1 bilhões em pesquisa e desenvolvimento no ano passado, a AT&T gastou apenas US$ 130 milhões. A palavra "pesquisa" nem mesmo aparece no relatório anual da Verizon.

Mas se na era da desregulamentação das telecomunicações a palavra mais mencionada no setor era "competição", agora é "inovação". E a Verizon e a AT&T pedem cada vez mais para serem vistas como líderes no campo das idéias. Faça uma busca na internet em "Verizon" e "inovação", e você conseguirá pronunciamentos do diretor-presidente da Verizon, Ivan G. Seidenberg, exaltando sua importância. As gigantes telefônicas estão até mesmo usando a "inovação" como uma das principais justificativas para sua agressiva onda de fusões. No ano passado, quando a SBC estava comprando as sobras da AT&T, o diretor-presidente da SBC Edward E. Whitacre fez questão de observar que, com a fusão, a companhia combinada teria "os recursos intelectuais e financeiros para estimular a inovação".

-------------------------------------------------------------------------------- Tecnologias que revolucionaram as comunicações foram desenvolvidas fora do mundo da telefonia --------------------------------------------------------------------------------

A Verizon e a AT&T estão sob grande pressão para que se reposicionem como inovadoras. Elas estão defasadas em relação aos esforços das companhias de TV a cabo na venda do acesso de alta velocidade à internet. Seus monopólios telefônicos locais estão sob ataque, uma vez que essas mesmas companhias de TV a cabo estão se oferecendo para prestar serviços de telefonia a preços menores, junto com serviços de televisão e dados. Olhando adiante, tecnologias sem fio que vão da familiar Wi-Fi a modelos mais poderosos que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores acadêmicos e companhias como a Intel, representam todo um novo conjunto de ameaças.

Em resposta, AT&T e Verizon estão se apressando para construir redes que prestem serviços de TV e acesso a banda larga de alta velocidade. Elas observam que, sim, elas são companhias de tecnologia. A Verizon está gastando bilhões de dólares para lançar uma rede de telefonia, dados e vídeo de próxima geração chamada FiOS (de "fiber optic", ou fibra óptica), para proporcionar aos seus clientes uma alternativa à TV a cabo.

Embora não esteja na mesma velocidade impressionante da FiOS, a AT&T promete fazer alguma coisa parecida com o Project Lightspeed, que ela começou a comercializar em áreas de San Antonio sob o nome de "U-verse" pouco depois de minha visita.

A retórica do setor de tecnologia sempre envolveu quem consegue revolucionar ainda mais a revolução de alguém, e executivos da AT&T e da Verizon estão abraçando essa retórica. Thomas J. Tauke, ex-congressista por Iowa e hoje o principal lobista da Verizon em Washington, diz: "Na medida que empregamos novas tecnologias, o que está acontecendo é que estamos sendo os insurgentes que tentam chegar e mudar o mercado".

Justiça seja feita com a Verizon. Ela tem dado alguns passos largos. Sua rede FiOS é, em muitos aspectos, o que há de mais avançado em tecnologia de redes. (Mas é cara - o nível mais elevado dos serviços de banda larga doméstica custa de US$ 109 a US$ 139 por mês).

Mas realidades dissonantes persistem. Não é um pouco estranho, por exemplo, ouvir o diretor-presidente de uma companhia do tamanho da AT&T falar sobre a necessidade de ficar maior para ter os recursos necessários à inovação? Na verdade, ao longo da última década as grandes companhias de telecomunicações têm olhado principalmente para fora na busca da inovação tecnológica. "Nós desenvolvemos serviços, e descobrimos como usar e empregar a tecnologia que muitos outros estão desenvolvendo", afirma Tauke, da Verizon. Edmond J. Thomas, que comandou os laboratórios da Verizon quando esta era a Bell Atlantic, coloca de outra maneira. "Elas fazem pouquíssima pesquisa fundamental e pouquíssimos desenvolvimentos avançados", diz ele. "O ponto de vista que elas têm do mundo é: 'Podemos comprar isso em qualquer lugar'."

Algo precisa ser dito sobre "comprar em qualquer lugar". Se as grandes companhias de telecomunicações construíssem tudo elas mesmas, não haveria a Cisco e a Motorola. Mas anos de compras em todos os lugares criaram uma cultura desconfiada com a tecnologia - e com o progresso: é impossível imaginar a Microsoft desenvolvendo um novo grande produto e ter seu principal engenheiro andando de um lado para o outro num canto da sala fingindo ser mais um cliente. Isso significa, como está acontecendo com o Project Lightspeed da AT&T, que as companhias telefônicas provavelmente vão oferecer serviços que igualarão, mas não superarão, os fornecidos por outros. E cada vez mais sua abordagem vem colocando as telefônicas no lado errado da inovação, deixando-as na posição de ter de proteger seus investimentos em suas redes, das invasões de novas idéias.

Até certo ponto, a Verizon e a AT&T estão sendo forçadas a levar a inovação a sério e passarem a oferecer serviços de TV e acesso à banda larga de alta velocidade. Um mundo onde as grandes companhias telefônicas competiriam com as grandes empresas de TV a cabo foi de certa forma vislumbrado bem lá atrás, em 1996, quando foi implementada a lei conhecida como Telecom Act. Ele somente se tornou uma realidade quando os serviços telefônicos baseados na internet possibilitaram às companhias de TV a cabo oferecer o temido "triple play" da televisão, banda larga e telefonia, colocando a AT&T e a Verizon na defensiva. Mas mesmo com elas se esforçando nessas áreas, em outras a resposta instintiva das telefônicas também tem sido combater as novas tecnologias, ao invés de encorajá-las.

Foi isso o que aconteceu na escaramuça sobre a "Wi-Fi municipal" - o esforço feito por cidades como San Francisco e Filadélfia para oferecer serviços de telefonia sem fio em suas áreas, que foi combatido pela AT&T e Verizon. Isso está evidente em batalhas que estão apenas começando no Congresso dos EUA envolvendo tecnologias emergentes, como uma proposta para a abertura de espaço vazio entre os canais de TV para os poderosos serviços do tipo Wi-Fi, que representariam uma grave ameaça aos negócios de banda larga das telefônicas que cobram de US$ 60 a US$ 80 por mês dos usuários.

Mas lutar contra a inovação é apenas um paliativo. As gigantes da telefonia estão no banco do motorista quando o assunto é tecnologias da comunicação por causa de seus tamanhos. "Nosso lema", diz Paul E. Jacobs, diretor presidente da Qualcomm, que desenvolve tecnologia e chips que fazem os telefones celulares funcionarem, "é amar as companhias telefônicas. Sabemos de que lado está a manteiga no nosso pão". No entanto, cada vez mais as telefônicas deixam de ser a "única opção". E com a concorrência apertando o passo, levar a inovação a sério se torna cada vez mais uma necessidade, e não apenas conversa.

A escassez de novas idéias tem levado alguns críticos a pensar que as telefônicas vêem seu futuro não no desenvolvimento de melhores serviços, mas sim em cobrar taxas cada vez maiores de qualquer um que queira usar suas redes.

Há outra estratégia que as telefônicas poderiam considerar. Em San Antonio, a AT&T tentou insistentemente me vender as virtudes do Project Lightspeed. Mas a coisa mais impressionante que você provavelmente veria nos laboratórios da AT&T pode ser uma característica do Homezone.

Projeto irmão menos festejado do Lightspeed, o Homezone é um sistema de vídeo e internet mais simples que combina TV por satélite com linha DSL. Uma das características do decodificador que a AT&T desenvolveu para o Homezone é a capacidade de se conseguir facilmente arquivos de música de um PC e reproduzir na televisão ou no sistema de entretenimento doméstico.

Foi a única vez durante minha visita que pensei: "Uau, gostaria de ter isso em casa". O Homezone não exige nenhuma nova estrutura de rede cara e nenhuma parceria em que as companhias pagam à AT&T pelo acesso exclusivo. É uma prova de que uma idéia nova e simples pode crescer dentro de uma gigante da telefonia. É um sinal do que a AT&T poderá conseguir se aplicar em pesquisa e desenvolvimento apenas metade do que uma companhia como a Intel gasta. Mas isso não é um sinal de que as telefônicas estão prontas para dar esse passo.

(Tradução de Mário Zamarian)