Título: O crime pede carona
Autor: Khodr,Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 07/10/2010, Brasil, p. 14

Levantamento da PRF aponta 1.820 pontos de risco para crianças e adolescentes nos 66 mil quilômetros de rodovias federais brasileiras. Em Brasília, foram identificados 10 locais, 33 a menos do que o registrado no levantamento anterior

A cada 36km de rodovias federais no país há um ponto de exposição de crianças e adolescentes ao risco de exploração sexual. No total, segundo levantamento divulgado ontem pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), são 1.820 locais vulneráveis à prática desse crime. Mais de 66 mil quilômetros de estradas foram monitorados nos últimos dois anos e indicam que a combinação entre prostituição adulta, tráfico de drogas, consumo de bebida alcoólica e concentração de crianças e adolescentes à beira das rodovias tem grande influência na exploração sexual infantojuvenil.

Em comparação ao último levantamento, realizado em 2007, o número de pontos de risco não sofreu alteração, mas os critérios de avaliação estão mais rigorosos e 6 mil quilômetros de malha viária foram incluídos na análise. No Distrito Federal, a pesquisa encontrou 10 pontos de risco, 33 a menos do que o contabilizado no levantamento anterior. O Nordeste apresenta a pior situação, com mais locais registrados do que nas regiões Norte e Centro-Oeste juntas Bahia e Paraíba concentram 24,9% do total nacional (veja quadro ao lado). Este ano os locais de exploração não foram divulgados para preservar ações repressivas da polícia, já que nos anos anteriores os criminosos mudaram os locais de atuação depois da divulgação do estudo.

De acordo com o inspetor da PRF Alexandre Castilho, o levantamento deve servir como instrumento para a elaboração de políticas de prevenção e enfrentamento dos crimes ocorridos nas rodovias brasileiras. É necessário envolver a sociedade nesse processo, principalmente com informações sobre a importância da denúncia, explica. Ainda de acordo com o especialista, é fundamental reformular aspectos culturais das pessoas que trabalham nas estradas. Muitas vezes, as crianças são tratadas como adultas. Mas elas precisam ser vistas como seres vulneráveis, vítimas do preconceito e da situação social em que se encontram, defende. Entre 2005 e 2009, a PRF encaminhou mais de 2 mil crianças e adolescentes que estavam em situação de risco aos conselhos tutelares. Nesse período, 951 pessoas foram presas em flagrante por crimes cometidos contra esses meninos e meninas.

Presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de São Paulo, Norival Almeida reconhece que palestras e outros esforços da instituição em conscientizar os motoristas sobre o crime não são suficientes para combater a realidade das estradas. São Paulo é o estado que concentra maior proporção de pontos de risco por quilômetro de rodovia. Para Almeida, organizar os pontos de parada de descanso dos caminhoneiros com fiscalização policial para a prevenção do crime seria uma alternativa eficaz. E também esclarecer a população que mora próximo às estradas. Dar condições para retirar as crianças dessa situação.

Iluminação Ao contrário do que se esperava, a iluminação da área favorece a exploração sexual. O criminoso prefere locais iluminados porque teme emboscadas e quer ter controle da situação, explica Castilho. Além disso, na maioria dos casos, as vítimas são crianças, e elas têm medo de escuro, completa. Cerca de 80% dos pontos avaliados como de risco crítico para exploração sexual tinham iluminação. Outros fatores que contribuem para o crime são prostituição de adultos (97,9%) e consumo de bebidas alcoólicas (93,1%).

Este ano, a Childhood Brasil participou do processo de refinamento dos critérios de pesquisa e monitoramento das rodovias. Como resultado, a pesquisa pode oferecer dados mais precisos para ações, não só do governo, mas também de empresas de transporte. Ana Maria Dummont, diretora executiva da organização, afirma que as empresas poderão instruir os motoristas a evitar esses locais e reestruturar os pontos de parada e descanso desses funcionários com as informações do levantamento. Também queremos repassar essa metodologia para as polícias rodoviárias estaduais, como conseguimos fazer em Pernambuco, conta.

"Muitas vezes, as crianças são tratadas como adultas. Mas elas precisam ser vistas como seres vulneráveis, vítimas do preconceito e da situação social em que se encontram

Alexandre Castilho, inspetor da PRF

Disque 100

O programa nacional de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, mantém disponível uma linha gratuita para denúncia de exploração sexual infantojuvenil. Basta discar o número 100 em qualquer telefone, fixo ou móvel.