Título: Montadoras retomam aposta na Argentina
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2006, Empresas, p. B11

A filial da Fiat na Argentina espera fechar, até outubro, o plano de negócios de uma associação no país com a indiana Tata Motors. As duas empresas anunciaram, na primeira semana de agosto, que pretendem investir cerca de US$ 100 milhões na parceria que envolve a produção conjunta de veículos utilitários e picapes na Argentina. "Os mercados argentino e brasileiro estão excelentes, então temos um enorme potencial de vendas na parceria com a Tata", comentou ao Valor Cristiano Ratazzi, presidente da Fiat Argentina, durante um intervalo do Congresso Mercoparts realizado no balneário de Punta del Este, no Uruguai, sexta-feira da semana passada.

O anúncio é importante, não pelo valor do investimento em si, mas por se somar a outros que vêm sendo anunciados desde 2003, marcando a retomada do setor automotivo argentino depois da pior crise da história do país em 2001 .

"A indústria argentina mostrou uma forte capacidade de adaptação (depois da crise), hoje exporta para mais de 70 países e está buscando mercados fora do Mercosul", comentou o brasileiro Felipe Rovera, presidente da filial local da General Motors e também da Adefa, entidade que reúne as montadoras de automóveis do país.

A indústria automobilística argentina ainda não voltou aos números de seu período áureo, de 1996 a 1998, mas está chegando perto e, a continuar no ritmo atual, ano que vem pode ultrapassar. Segundo dados da consultoria Abeceb.com, do fundo do poço em 2002, quando baixou a 159,4 mil unidades (menos da metade do período 96/98), a produção de automóveis na Argentina subiu para 400 mil unidades em 2005 e as estimativas são de ultrapassar 410 mil em 2006.

As vendas, cuja média despencou de 420 mil para 189 mil (82 mil no ponto mais baixo em 2002) no mesmo período, voltaram ao patamar de 400 mil unidades e apontam para 460 mil em 2006, se somados os importados. As exportações também têm tido o mesmo comportamento. Depois de sair da média de 186 mil unidades anuais no período 96/98 para pouco menos de 100 mil em 2002, agora estão na faixa de 220 mil unidades.

Impulsionando essa nova fase estão, segundo Rovera, a inflação controlada, o crescimento econômico como um todo e a recuperação do mercado interno, que já cresceu seis vezes de tamanho desde a derrocada da economia em 2001, quando o governo anunciou sua incapacidade de pagar as dívidas. E só não cresce mais, segundo o presidente da Adefa, pela falta de um sistema de financiamento mais eficiente. Ao contrário do Brasil, onde o crédito para aquisição de automóveis é há alguns anos fácil, rápido e de longo prazo, responsável pelo escoamento de 80% da produção destinada ao mercado doméstico, na Argentina 80% das vendas são feitas à vista.

O volume de investimentos estrangeiros no setor automotivo do país ultrapassou US$ 770 milhões e deve alcançar US$ 950 milhões em 2006, deixando para trás um desinvestimento da ordem de US$ 118 milhões em 2003. "O conjunto de investimentos que estão sendo feitos têm uma visão muito mais de mercado internacional do que só ao Brasil (como era no passado)", comentou o economista Dante Sica, sócio da consultoria Abeceb.com. Segundo ele, a Argentina já superou a dependência do Brasil do final dos anos 90, quando exportava para o principal sócio do Mercosul 86,2% de sua produção automotiva. Hoje o Brasil responde por 34%, com um peso cada vez maior de Chile e México na lista de clientes da Argentina.

Em 2002, a própria Fiat havia desativado a produção de automóveis e passou a ocupar apenas parte da capacidade da fábrica, situada na província de Córdoba, para fazer motores e componentes. Já no começo deste ano, a montadora italiana anunciou a recuperação de mais uma parte das funções da fábrica para a produção de caixas de câmbio, através de uma parceria com a francesa Peugeot-Citroen. Com a Tata, a Fiat volta a produzir automóveis no país e o plano é fabricar 100 mil carros de passageiros e 250 mil motores e transmissões para veículos das duas marcas, com vistas ao mercado externo.

A dúvida que paira no ar hoje no país, como uma sombra sobre as intenções de novos investimentos, é a intervenção do governo Nestor Kirchner sobre os preços. O controle de preços via acordos com as indústrias de diversos setores ou por restrições a exportações, tem sido a marca da administração Kirchner em seus quase quatro anos de governo. Apesar das críticas, é dessa forma que a inflação tem sido debelada sistematicamente. A imprensa argentina publicou semana passada notícias não-oficiais de que o secretário de Comércio, Guillermo Moreno, teria pressionado as montadoras para reverem aumentos de preços previstos para vigorar a partir de 30 de junho. De fato os aumentos não saíram mas Rovera garantiu que não há nenhuma proibição de reajustes.