Título: Ministro australiano defende fim das barreiras comerciais
Autor: Pedroso, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2012, Brasil, p. A4

Em visita ao Brasil para estimular o aumento nas relações bilaterais, o ministro de Comércio e Competitividade da Austrália, Craig Emerson, prega o fim das barreiras comerciais em meio a um ambiente mundial de aumento do protecionismo. No cargo desde setembro de 2010, o ministro afirmou ao Valor que os australianos desejam ampliar os investimentos em infraestrutura e "botar um pé" nas áreas de finanças e educação brasileiras.

No cenário global, diz ele, os dois países podem atuar em conjunto na Organização Mundial do Comércio (OMC) para impedir uma escalada nos preços dos alimentos, evitando instabilidade em países não produtores.

Pela similaridade das economias, Emerson acredita mais em aumento de investimento do que em forte incremento das trocas comerciais. Entre os setores-alvo no Brasil, ele destaca, além da infraestrutura, a educação profissionalizante, área na qual a Austrália possui um programa reconhecido internacionalmente.

Defensor do livre mercado e do protecionismo zero, o ministro australiano revela uma visão muito diferente da que hoje vigora na equipe econômica brasileira. "Por que produziríamos Ipads e Iphones se não somos bons nisso?", questiona. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O sr. veio ao país com uma comitiva de empresários para aumentar os investimentos. Quais são os setores-alvo?

Craig Emerson: Temos interesse em infraestrutura aeroportuária, obras relacionadas à Copa de 2014 e à Olimpíada do Rio, e em energia renovável, especialmente eólica. A Australian Industry Group, que é a federação das indústrias australianas, assinou um memorando de entendimento na Fiesp com uma empresa que atua nas áreas de engenharia em petróleo e gás e na mineração de titânio e zinco.

Valor: São intenções ou existem planos efetivos de investimentos?

Emerson: Há grande interesse. Algumas das empresas já atuam no Brasil. Atualmente, cerca de 50 delas operam no país, com os investimentos no ano passado chegando a US$ 2 bilhões. Para este ano, a previsão é que o investimento permaneça no mesmo nível.

Valor: Esse montante deve aumentar nos próximos anos?

Emerson: Sim. O propósito da visita é encorajar os empresários australianos a investirem no Brasil, que tem uma economia forte e diversificada. Há interesse no mercado financeiro, inclusive. Os alvos não são apenas as tradicionais áreas de mineração e agricultura, onde tendemos a ser mais competitivos no mercado internacional. Queremos diversificar nossa atuação.

Valor: E na mão contrária, quais as perspectivas de investimentos brasileiros na Austrália?

Emerson: Depende de onde o Brasil esteja interessado em investir. Há muito o que crescer no próprio país de vocês em minérios e agricultura. Mas se os países estão interessados em se estabelecer na China, por exemplo, podem usar a Austrália como ponte. Depende mais das empresas do que dos governos, mas posso dizer a nosso favor que temos boas relações comerciais com países emergentes e podemos oferecer infraestrutura e sistema legal transparente.

Valor: Brasil e Austrália possuem pontos em comum na OMC em relação a barreiras tarifárias a produtos agrícolas por parte das economias desenvolvidas. Quais as perspectivas de vitórias nessa área?

Emerson: Queremos os mercados abertos para os produtos agrícolas, mas está cada vez mais difícil conseguir isso nas discussões. Incrivelmente difícil.

Valor: O Brasil conseguiu derrubar a tarifa do açúcar e do etanol nos últimos anos, por exemplo...

Emerson: Sim, mas os grandes consumidores querem proteger seus mercados. Essa é a verdade. Brasil e Austrália têm muitos interesses em comum, e mais em produtos agrícolas do que em minerais, pois o mercado já é bem aberto nessa última área. Na nossa visão, não devemos, sob nenhuma circunstância, cair no protecionismo como uma política econômica. A Austrália falhou quando fez isso, entre 1945 e 1985. Depois, começamos a reduzir as barreiras tarifárias, que estão entre 5% e zero, dependendo da commodity. Somos a favor do livre comércio.

"Por que fabricar eletrônicos mais caros? Por que produzir Ipads e Iphones, se não somos bons nisso?"

Valor: Mas o cenário atual é de tendência de aumento do protecionismo...

Emerson: Nós temos um desafio global na produção de alimentos, que não está sendo olhado com o interesse necessário. Já temos 7 bilhões de pessoas no planeta, sendo que em 2035 o número vai aumentar para 9 bilhões. Isso significa que será necessário produzir muito mais alimentos para atender à demanda. Acredito que é do interesse de todos os países que exportemos alimentos. Se isso não acontecer, os preços vão ficar muito altos, o que pode se tornar um grande problema para a inflação, para a população pobre dos países não produtores e para a classe média, que espera comprar a preços razoáveis. As barreiras comerciais precisam cair. O mundo ainda não reconheceu isso.

Valor: E quando o sr. acha que vai haver tal reconhecimento?

Emerson: Na medida em que os preços dos alimentos aumentarem. O mercado vai dizer aos políticos o que fazer, pois as pessoas ficarão insatisfeitas com o custo mais alto e os políticos vão ter que abrir o mercado para tirar pressão dos preços. Eles têm que fazer isso.

Valor: A próxima reunião do G-20 será em junho, no México. O que a Austrália vai levar para a discussão?

Emerson: Com a abertura de mercados podemos obter crescimento, podemos lidar com a iminência de escassez e aumento dos preços dos alimentos. Essa será a mensagem, porque esse quadro começou a se manifestar nas revoltas em alguns países em 2008, por causa da escalada de preços alimentícios. A Primavera Árabe teve origem, em parte, em função disso. E os países sabem que esse é um problema iminente, que também traz consequências ambientais. Se cada país busca autossuficiência em alimentos, aumenta-se o desmatamento, pois a produção não acontece nas condições mais eficientes. Isso significa mais emissão de carbono na atmosfera e menos cinturões verdes, levando a mudanças climáticas mais drásticas e maior degradação de terras. Ou seja, aumentam-se problemas ambientais e sociais por causa de países que adotam como política a autossuficiência nessa produção. Nossa mensagem é que nos antecipemos a isso, para não cometermos os erros que vão acontecer, se essa visão continuar.

Valor: Essa posição para o G-20 já foi discutida com o governo brasileiro?

Emerson: Será discutida, mas é importante dizer que não estou aqui para dizer o que deve ser feito. Estou aqui para compartilhar a nossa visão. E o nosso encontro não vai ser apenas sobre G-20 ou OMC. Será mais sobre como crescer a relação bilateral, pois temos muito pontos em comum.

Valor: E quais setores devem crescer nessa relação?

Emerson: Queremos que o relacionamento entre os dois países cresça nas áreas tradicionais, mas também em educação, tanto no ensino superior quanto no técnico. Fizemos um acordo para mais mil bolsas a universitários brasileiros nas maiores universidades australianas, por meio do programa Ciência Sem Fronteiras. Contamos com isso, pois esses estudantes e os atuais cerca de 30 mil que estudam na Austrália atualmente serão embaixadores do nosso país ao retornarem ao Brasil. Nossas relações políticas, diplomáticas e comerciais podem aumentar em função disso.

Valor: As empresas veem potencial na educação brasileira?

Emerson: Além de universidades, uma área em que não temos cooperação é o ensino profissionalizante, que capacita eletricistas, encanadores e carpinteiros. Há falta de técnicos no Brasil, assim como na Austrália, mas temos um sistema de ensino profissionalizante que é reconhecido mundialmente, que tem boa reputação. Existe potencial para os dois países crescerem nessa área. Se o governo brasileiro desejar, as instituições de ensino australiano gostariam de se estabelecer no país.

Valor: A presidente Dilma Rousseff declarou recentemente que o mundo vive uma "guerra cambial", e que o Brasil vai tomar todas as medidas necessárias para proteger o real de uma apreciação excessiva. O governo australiano compartilha da mesma visão?

Emerson: Não acreditamos que tenhamos que aumentar a taxação do fluxo financeiro por causa de moedas artificialmente controladas A resposta está na nossa política para o assunto, que é a de um comércio mais aberto. Os países que aumentam as barreiras comerciais além do teto estabelecido pela OMC estão infringindo as regras que eles próprios assinaram. Qualquer país que faça isso não terá nosso apoio.

Valor: A Austrália vai contra a corrente da economia mundial ao pregar a queda de barreiras comerciais?

Emerson: Cada país tem que fazer seu arranjo. Claro que há pressão em setores como o de manufaturas, mas acreditamos que o jeito mais eficaz de lidar com essa realidade é olhar com atenção para as áreas em que há boas perspectivas para o futuro, com inovação e especialização. Não podemos competir com China e Bangladesh na produção de roupas e sapatos, por exemplo. Isso implicaria redução de salários, deixando os trabalhadores mais pobres, ou no aumento do custo das importações, o que também não é boa ideia já que encarece o custo de vida.

Valor: O Brasil está tomando medidas contrárias em relação ao mesmo problema, por exemplo...

Emerson: Não estou aqui parara dizer o que os outros países devem fazer. Digo pela nossa experiência, onde estamos fazendo isso há décadas, de forma consistente. Achamos que podemos nos beneficiar das importações, pois elas mantém a inflação baixa, e diminuem o custo de vida da população mais pobre. Por isso compramos eletrônicos da China e Vietnã. Por que fabricaríamos eletrônicos três vezes mais caros? Por que produziríamos Ipads e Iphones, se não somos bons nisso? Nós tínhamos uma indústria têxtil forte nos anos 1980 e 1990, que não existe mais. E nós a deixamos morrer, porque não achamos que o nosso futuro estava em produzir meias e sapatos baratos. Nosso salário mínimo está em US$ 15 por hora, enquanto o mínimo chinês é de US$ 0,08. Não vamos diminuir nossos salários para competir, seria extremamente impopular.