Título: Mulheres chilenas ficam para trás na América Latina
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Fonte: Valor Econômico, 15/08/2006, Internacional, p. A17

O Chile, país que tem a economia mais bem-sucedida na América do Sul, elegeu neste ano pela primeira vez uma mulher para a Presidência do país. Mas a condição das chilenas é, sob muitos aspectos, pior do que a das mulheres de outros países da região. Uma menor proporção delas trabalha (veja gráfico) e menos mulheres conquistam poder político. Segundo um relatório da União Inter-Parlamentar, uma entidade que congrega Parlamentos de vários países, 15% dos representantes na Câmara chilena são mulheres, ou menos de metade da proporção registrada na Costa Rica e na Argentina, e abaixo do nível em outros oito países na região, inclusive a Venezuela e a Bolívia.

As mulheres chilenas esperam que a gestão de Bachelet melhore essa situação, mas já existem preocupações sobre se ela fará mais mal do que bem.

Ninguém tem certeza sobre as razões do atraso das mulheres chilenas. O desnível salarial em relação aos homens é relativamente grande. As mulheres ganharam 19% menos do que os homens em 2003, de acordo com uma pesquisa governamental; a disparidade foi de quase 40% em atividades que exigem níveis educacionais elevados.

O Chile pode também ser mais socialmente conservador do que outros países sul-americanos. O Serviço Nacional da Mulher (SNM), de nível ministerial, ainda encontra frases como "meninos gostam de aprender, meninas adoram brincar de casinha", nos livros didáticos que passam por seu crivo para suprimir qualquer discriminação.

A esses fatores, María Nieves Rico, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (uma agência da ONU) acrescenta a pesada dependência da economia em relação aos recursos naturais, que retarda o desenvolvimento do setor de serviços, que tipicamente emprega mulheres. Mas, admite ela, mesmo esses fatores reunidos não explicam plenamente a situação. O resultado é que o "Chile está desperdiçando talentos a uma taxa que está prejudicando exponencialmente a economia", diz Kathleen Barclay, executiva em um banco americano em Santiago.

Bachelet iniciou seu ataque à desigualdade nomeando mulheres para metade dos postos no ministério de seu governo de centro-esquerda. Um novo código trabalhista para o setor público proíbe testes de gravidez, elimina menções sobre o sexo de quem candidata-se a um emprego e exige que qualquer treinamento profissional seja feito durante o horário normal de trabalho. O governo incentiva o setor privado a também adotar o código.

Bachelet começou a construir novas creches e prometeu disponibilidade universal de escolas maternais até o final de seu mandato de quatro anos, uma iniciativa que ajudará as mães que desejam trabalhar. Está sendo preparado um controvertido plano para impor uma cota de candidatas ao Congresso nos partidos políticos. "Nós gostaríamos que fosse 50%, mas não decidimos ainda", diz Laura Albornoz, a ministra do SNM. A oposição ao sistema de cotas implica que, se chegar a ser aprovado, provavelmente o percentual será mais baixo. Ativistas querem que o governo legisle contra a discrepância salarial, mas isso teria uma chance ainda menor de dobrar as resistências do empresariado e da oposição de direita.

As mulheres estão preocupadas com que qualquer bem que Bachelet lhes faça especificamente será desfeito se ela fracassar no geral. Os primeiros meses de sua presidência, que começou em março, foram turbulentos. Ela enfrentou sem firmeza os protestos de estudantes contra a má qualidade do ensino estatal. Foi acusada de assumir uma postura fraca numa disputa com a Argentina sobre o preço do gás - injustamente, pois o Chile não tem alternativas a sua importação.

Muitos chilenos atribuem os problemas de Bachelet ao fato de tratar-se de uma mulher. "O governo deveria vestir calças", é uma reclamação ouvida com freqüência, embora não exclusivamente, dos homens na oposição.

"Ser mulher foi uma vantagem enquanto Bachelet era candidata, mas conceitos estereotipados sobre autoridade agora voltaram-se contra ela", diz Marcela Ríos, do instituto de pesquisas Flacso-Chile. Agora, "todos os problemas do governo estão sendo atribuídos ao fato de Bachelet ser mulher". Esse tipo de atitude provavelmente explica tantas estatísticas atípicas para a região.