Título: Empresariado do Uruguai defende TLC com os EUA
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2006, Internacional, p. A17

Um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA pode significar bem mais do que aumentar as exportações para o maior mercado do mundo. Pode ser uma credencial para se candidatar ao capital estrangeiro de investimentos produtivos. A opinião é de Roberto Villamil, secretário-geral da Câmara de Indústrias do Uruguai (CIU), entidade que reúne os interesses de 1,1 mil empresas e 79% da produção industrial do país.

Os governos dos EUA e do Uruguai estão em negociação para "ampliação dos laços comerciais", segundo o discurso oficial que tem evitado usar a sigla TLC. As bases desse novo acordo devem ser anunciadas em outubro, segundo disse semana passada o chanceler uruguaio Reinaldo Gargano, durante um congresso da indústria de autopeças do Mercosul (Mercoparts) realizada em Punta del Este. A princípio, um acordo bilateral do gênero TLC é contrário às regras do Mercosul, como disseram autoridades brasileiras e argentinas.

Em entrevista ao Valor, Villamil defendeu que seu país busque oportunidades fora do bloco. "Embora tenha se convertido em uma base de desenvolvimento industrial para nosso país, o Mercosul não satisfaz nossas expectativas, principalmente de integração econômica e comercial." A insatisfação do Uruguai com o Mercosul, aliás, foi a tônica do Mercoparts, com empresários, ministros e diplomatas se queixando da falta de perspectivas para os países menores do bloco (Uruguai e Paraguai).

Os EUA já são, individualmente, o maior parceiro comercial do Uruguai, comprando 18% das exportações - o Mercosul fica com 24% e a União Européia, com 22%. A abertura de um caminho de livre comércio poderia incrementar as vendas de itens como alimentos, têxtil, vestuário e químicos, "produtos que hoje os EUA são importadores líquidos", analisou.

Mas, mesmo para explorar suas possibilidades de comércio, diz Villamil, o Uruguai precisa de investimentos. "Não temos infra-estrutura industrial. Mas pensemos assim: um investidor tailandês, ou indonésio, tentando entrar no mercado americano e não tem um tratado preferencial. Encontra um país pequeno, consolidado macroeconomicamente, socialmente estável, bastante bem localizado do ponto de vista geográfico em relação a países importantes como Argentina e Brasil, além disso com um TLC com os EUA. Penso que pode ser importante aproveitar essas vantagens e investir em um país como o Uruguai", disse.

Villamil rebate os alertas de contrariedade às normas do Mercosul e garante que os empresários uruguaios não pensam em ficar fora do bloco com Brasil, Argentina e Paraguai. "Nós não vemos como duas alternativas que se contrapõem, o TLC e o Mercosul. Há regras que possibilitam que o Uruguai possa desfrutar de um acordo preferencial com os EUA, sem ferir a TEC (Tarifa Externa Comum) do Mercosul." Segundo Villamil, os empresários do país estão conscientes de que "o custo de deixar o Mercosul seria muito elevado".

O acordo com os EUA está hoje no centro dos debates no Uruguai. A perspectiva de um TLC abriu uma divisão dentro do governo Tabaré Vázquez. Socialista, eleito em outubro de 2004 por uma coalizão de esquerda, Vázquez vem defendendo uma maior aproximação comercial com os americanos, atento às vozes de seus eleitores.

Segundo uma pesquisa divulgada ontem pelo jornal "Últimas Notícias", de Montevidéu, 6 em cada 10 uruguaios se disseram a favor de um TLC com os EUA. No dia 9, durante um grande evento promovido pelo Conselho das Américas, em Montevidéu, Vázquez disse, na frente do representante comercial do governo Bush para a América Latina, Everett Eissenstatt, que se sente diante de uma oportunidade única de negociação comercial com os americanos. "A história não retrocede, não se detém, mas também não se repete. O trem, algumas vezes, passa uma só vez", afirmou o presidente uruguaio, ao dar um respaldo público para as negociações que se desenrolam com Washington.

Mas alguns de seus principais colaboradores dentro do governo são contra o acordo. O chanceler Reinaldo Gargano é um deles. Questionado sobre as declarações de Vázquez, Gargano respondeu que concordava que o trem passa apenas uma vez, mas ele pode atropelar quem fica na frente.

Para tentar acabar com divergências públicas, Vázquez divulgou uma nota dizendo ser ele o único a responder pelo assunto.