Título: Guerra no Líbano vai custar caro para todos
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Fonte: Valor Econômico, 15/08/2006, Opinião, p. A18

A invasão do Líbano por Israel e os ataques da milícia xiita Hezbollah às cidades do norte israelense cessaram ontem sob o compromisso estabelecido pela resolução 1701 da Organização das Nações Unidas. Se não ocorrerem imprevistos, uma premissa sempre arriscada no Oriente Médio, uma força de 15 mil soldados libaneses e mais 15 mil de uma força multilateral sob mandato da ONU substituirão as tropas israelenses, que terão de bater em retirada. Israel trocará prisioneiros com o Líbano - a captura de dois soldados pelo Hezbollah foi o motivo alegado para o início de um violento ataque ao território libanês, que não poupou civis. Até o início do cessar-fogo, mais de mil libaneses e de 120 israelenses morreram. Israel demoliu grande parte da infra-estrutura de grandes cidades libanesas e fez migrar um milhão de pessoas, ou um quarto da população do país.

Os efeitos do uso de força devastadora por Israel estão longe de se esgotar na destruição física de um Líbano que penosamente renascera das cinzas. Para começar, a aventura militar minou o apoio político ao governo do recém-criado Kadima e colocou em dúvida a permanência no poder do premiê Ehud Olmert e seu ministro da Guerra, o sindicalista Amir Peretz. Ambos estão sendo muito criticados por vários motivos, mas o principal deles é o de que não foram suficientemente firmes e ousados nos seus ataques para livrar o Líbano do Hezbollah. E o inacreditável dá lugar ao crível na política israelense, à medida que Olmert devastou o território libanês para recuperar dois soldados e terminou a empreitada ironicamente com seu flanco à direita mais vulnerável. Os partidos da direita se preparam para um ajuste de contas agora, já que o Kadima quase os reduziu à insignificância nas últimas eleições.

Israel contou com o total apoio dos EUA e, algo mais raro, com a simpatia da imensa maioria dos israelenses para sua incursão ao Líbano. Elas não bastaram porque o objetivo da missão militar era irreal: a destruição da capacidade operacional do Hezbollah. É uma tática de guerra lunática achar que bombardeios a cidades, seguido de avanço de tropas, possa extinguir uma força guerrilheira pulverizada, dividida em pequenas unidades de combate, bem treinada e bem armada. Israel necessitaria de uma invasão maciça e prolongada do Líbano para tentar conseguir isso, o que traria um banho de sangue muito maior do que o que se viu no último mês.

A capacidade militar do Hezbollah certamente foi afetada, mas é impossível saber em que grau, pois não há informações confiáveis dos dois lados. Mas sua capacidade de causar danos não, como demonstrou o último dia de combates, quando a milícia xiita disparou seu maior número de mísseis (250) sob o norte de Israel. E, pelo menos enquanto duraram os ataques, o apoio popular ao Hezbollah, cujas provocações trouxeram a destruição do Líbano, tornou-se crescente.

Sustentado pela Síria e Irã, o Hezbollah será uma das peças chaves durante a vigência do cessar-fogo. O objetivo da manutenção de tropas da ONU no sul do Líbano é o de impedir o envio de armas para o grupo, mas os governos israelense e americano acreditam que é possível ir mais longe e obter o cumprimento da resolução 1559, com o desarmamento total dos fundamentalistas. Ao tomar partido a contragosto em uma ação que prejudicará o Hezbollah, o frágil governo libanês poderá ter de enfrentar uma nova irrupção da luta interna que já fez do Líbano um monte de ruínas. O Hezbollah parece mais forte e unido que as forças políticas libanesas e dificilmente estas, ainda que chegassem a se entender, lhe imporão sua vontade.

Se a direita israelense se fortalecer e as tendências ao esfacelamento do Líbano se confirmarem, se consolidará novo fracasso da política dos Estados Unidos para a região. Enquanto apóia sem condições Israel, Bush brada contra os "fascistas islâmicos", contribuindo para reforçar o endosso popular a grupos extremistas, títeres da ditadura síria e do autoritarismo confessional iraniano. A ofensiva israelense, com respaldo diplomático americano, congelou por um bom tempo as iniciativas para um acordo com os palestinos e deixaram isolados, pregando no deserto, as forças árabes não alinhadas ao radicalismo islâmico. Afastaram ainda mais a possibilidade de criação de um Estado palestino, a única política que poderia de fato dar uma chance à paz na região.