Título: Razões para não temer o déficit externo americano
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2006, EU & Investimentos, p. D2

Quem tem medo do déficit em conta corrente dos Estados Unidos? Analistas e investidores se dizem preocupados, mas Richard Cooper, professor de Harvard, está tranqüilo. Há muito trovoada para pouca chuva, argumenta ele no trabalho "Understanding Global Imbalances".

Na análise dos desequilíbrios globais, a questão demográfica é uma variável importante, que conta pontos a favor dos Estados Unidos e que outros analistas deixaram de lado em suas discussões sobre o tempo que o déficit pode se sustentar sem um desastre mais a frente. Cooper tomou a demografia em consideração e chegou à conclusão de que não apenas o déficit americano é sustentável, como também que os verdadeiros riscos para a economia global estão na Europa.

O princípio que guia o argumento de Cooper é inspirado na teoria do ciclo de vida, do prêmio Nobel de economia Modigliani. Pessoas jovens trabalham e poupam e pessoas mais velhas se aposentam e gastam o que acumularam na juventude. Os Estados Unidos atraem os investimentos de populações mais jovens. O déficit em conta corrente dos EUA é a contrapartida de boa parte da poupança externa de países com populações mais jovens.

Os países europeus também têm populações mais velhas e, como os Estados Unidos, também têm déficits que precisam ser financiados. Mas ao contrário dos EUA não possuem economias dinâmicas para atração de investimentos e têm uma população jovem em declínio, o que não ocorre nos EUA.

O déficit em conta corrente americano tem crescido consistentemente desde 1995, tanto em dólar como em percentual do PIB. Em 1995, ele era de 1,5% e saltou para 6,4% do PIB no ano passado. Houve apenas um recuo em 2001 por conta de um período econômico recessivo. "Em 2005, provavelmente os EUA tiveram o maior déficit de sua história", diz Cooper.

O fundamental é entender o déficit, como chegou ao patamar atual e, principalmente, se é sustentável. Para Cooper, o erro de grande parte das discussões e preocupações atuais é que elas estão focadas apenas na economia americana.

O principal ingrediente do estudo realizado por Richard Cooper é a questão demográfica. O mundo envelhece e, em muitas economias desenvolvidas e também emergentes, a população está em declínio. "Não temos nenhuma experiência com esse novo fator", diz o professor.

Os estudos focam basicamente no envelhecimento da população, mas Cooper explica que sua análise incorporou dados que mostram o declínio da população, uma aspecto de extrema importância para projetar o dinamismo de uma economia e seu ritmo de crescimento e investimento que fica de fora de boa parte dos estudos. "A questão demográfica vai demandar menos investimentos nesses países", diz o professor.

No grupo das quatro maiores economias do mundo (Japão, Alemanha, China e EUA), apenas os Estados Unidos apresentam um aumento na população com faixa etária entre 15 e 29 anos projetados para 2025. Nos outros três países, as projeções mostram um declínio desse grupo etário nos próximos anos. "A população jovem dos Estados Unidos não está em declínio, o ritmo de crescimento diminui, mas este grupo permanece crescendo", diz. "Vai crescer menos, mas continuará crescendo." Já em outras economias relevantes há de fato uma queda neste grupo de jovens.

Mesmo na China, segundo Cooper, é possível projetar um declínio no grupo de jovens a uma taxa de 1% ao ano. Isso não ocorre nos EUA, contudo. "Os Estados Unidos têm uma economia vibrante e inovadora", diz Cooper. O país também conta com uma forte onda de imigração concentrada em jovens adultos que deverá continuar em grande escala nos próximos anos.

Ele explica que é previsível que ocorra um declínio na taxa de poupança dessas economias junto com o declínio de sua população jovem, pois é natural que, com o envelhecimento, as pessoas resgatem seus investimentos para financiar a aposentadoria. Como a população jovem que entra no mercado de trabalho estará em queda, suas poupanças não serão suficientes para repor o que os novos aposentados vão resgatar. Ocorre que, como diz Cooper, o aumento da longevidade faz com que as poupanças para financiar a aposentadoria tenham de ser maiores. Isso significa que o acumulo de patrimônio deverá permanecer além da aposentadoria e o período do capital investido vai ultrapassar o que se tem hoje como parâmetro.

Segundo Cooper, isso é especialmente observado na Alemanha e Itália, mas também é verdade nos EUA. O patrimônio líquido pessoal médio por idade nos EUA no grupo de pessoas entre 55 e 64 anos aumentou uma década mais tarde, apesar de eles já terem ultrapassado a data da aposentadoria em 2001 (o mesmo grupo estava com mais de 65 anos). Outro grupo, que em 1992 estava na faixa etária entre 65 e 74 anos, também exibe um aumento no seu patrimônio pessoal mesmo uma década mais tarde, em 2001, quando a idade já superava os 75 anos.

E qual será o destino dos investimentos dessas pessoas maduras? Os Estados Unidos continuam sendo um excelente porto para investimentos, segundo a análise de Cooper. "Você tem segurança, a economia é forte e tem retornos atraentes se comparada a outros países ricos", diz. "São bilhões de dólares para serem investidos e se você é conservador é um destino perfeito", diz.

Não são razões superficiais as qualidades da economia americana apontadas por Cooper. O default da Argentina e os acontecimentos recentes do governo Evo Morales na Bolívia realçaram para muitos investidores estrangeiros a importância de alocar seus investimentos em economias mais maduras e seguras, em que os riscos possam ser administrados e que protejam o direito de propriedade, por exemplo.

Não é surpresa que muito da poupança de outras economias ricas tendem a ir para os Estados Unidos. A economia americana representa entre 25% e 30% da produção global. Além disso o sistema social nos EUA é estável, a propriedade privada é respeitada e o sistema legal funciona rápido e de forma justa, como observa Cooper. Além disso, metade dos títulos de renda fixa e de renda variável hoje no mundo estão nos Estados Unidos.

A queda na taxa de poupança do americano também não preocupa o professor Cooper. "Não há motivos para nervosismo", diz. "Não há nada nos fundamentos da economia americana que sugira nervosismo". Para Cooper, não se pode olhar os Estados Unidos sozinhos, mas sim dentro do contexto global. O déficit americano é, portanto, sustentável, segundo sua análise. Mas ele observa que o que não pode ocorrer é um crescimento continuo desse déficit em relação ao PIB americano indefinidamente, como na década passada.