Título: Reforma da previdência e focos específicos para debate
Autor: Mente, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2006, EU & Investimentos, p. D2

A campanha eleitoral à presidência da República faz aflorar discussões sobre o sistema previdenciário brasileiro e sobre as necessidades de sua reforma. Nossa previdência não foge dos conceitos tradicionais de proteção social, fazendo conviver lado a lado a iniciativa pública com a iniciativa privada, esta ainda abrangendo uma parcela minúscula da população. A discussão maior recai sobre os sistemas públicos, do funcionalismo e do regime geral mantido para os demais trabalhadores, com critérios de concessão e de contribuição diferenciados.

Os sistemas públicos exibem insuficiências marcantes frente aos recursos a eles destinados. O regime do funcionalismo público tem sido objeto de seguidas medidas, do Executivo e do Congresso Nacional, com vistas a diminuir a carga tributária de seu financiamento até em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal, com repasse de parte do custo para os próprios beneficiários, mas as resistências ainda são notórias.

Mas a maior preocupação recai sobre o regime geral de todos os outros brasileiros. O regime geral, dos trabalhadores civis, é o mais representativo da América Latina e a cada ano vai exibindo déficit crescente, mercê da acelerada entrada de novos aposentados e pensionistas, com contribuições insuficientes. O déficit previdenciário do regime previsto para 2006 está entre R$ 34 bilhões e R$ 36 bilhões, já computado o valor da CPMF que deveria estar reservado para essa finalidade. Seu crescimento, em relação ao ano de 2005, será em torno de 16%. Isso equivale a uma geração de déficit mensal entre R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões. São esses números negativos que impulsionam toda espécie de discussão e um número crescente de propostas de novas reformas, assim como vetos a reajustes que possam propiciar maior satisfação dos segurados.

A questão não é uma mera equação de dois membros, com parâmetros exclusivamente financeiros. Tem ingredientes sociais, fundamento de qualquer sistema de seguridade, lembrando que o estudo da economia reside na área das ciências humanas e não na das ciências exatas. Desenvolvimento social tem de ser o foco de qualquer proposta econômica.

É preciso avaliar historicamente o modelo atuarial para então propor correções. A base salarial de financiamento previdenciário decresceu ao longo das décadas, gerando remendos contributivos compensatórios sobre o lucro e sobre a movimentação financeira, especialmente pós Constituição de 1988. Foram os novos benefícios dessa mesma Carta que distorceram o equilíbrio.

A parte retributiva do sistema, que concede aposentadorias e pensões àqueles que, teoricamente, contribuíram enquanto empregados, não mostra um desequilíbrio tão expressivo.

A taxa de crescimento da concessão de benefícios em geral tem se mantido estável em torno de 2,5% ao ano. A taxa de evolução nas rendas de aposentados é um pouco maior, chegando a 3,4% ao ano. As pensões por morte evoluem a 2,7% ao ano.

As aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, somadas as pensões, chegam a pouco mais de 16 milhões em todo o território nacional. A cada novo ano são concedidas 1,25 milhões de novas rendas vitalícias. Mas praticamente a metade desse acréscimo constante é compensada pelas extinções, decorrentes das mortes de beneficiários. Esse conjunto, imponente por natureza, maior que a população de muitos países europeus, apesar de ter seu equilíbrio agravado nas últimas décadas, é responsável por apenas um terço do déficit previdenciário.

O grande gargalo está nos benefícios do meio rural, responsável por dois terços do déficit. E mais, no ano de 2006, enquanto o custo dos benefícios do meio urbano cresceu 8,5%, o do meio rural cresceu mais de 16%, agravando ainda mais a insuficiência e revelando problemas mais sérios para um futuro próximo. Nesse aspecto, reformas no sistema dos benefícios urbanos não seriam as mais emergentes.

A previdência social está por merecer uma definição mais clara quanto à forma de financiamento. Talvez caiba segregá-lo em duas partes: o regime retributivo e o regime assistencial. Aquele, reservado às aposentadorias e pensões dos participantes que efetivamente contribuem durante suas vidas ativas, e o assistencial, com fonte de financiamento separada, para os benefícios rurais e outros de não contribuintes.

Paulo Mente é ex-presidente da Associação Brasileira dos Fundos de Pensão Fechados (Abrapp) e diretor da consultoria atuarial Assistants

E-mail pmente@assistants.com.br

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.