Título: ONG pretende ser fábrica de projetos
Autor: Santos ,Chico
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2012, Especial, p. A16
O cineasta, escritor, ator e produtor cultural Marcus Faustini, 40 anos, nasceu e viveu a infância no conjunto habitacional Cesarão, em Santa Cruz (zona Oeste), descendente de uma grande família nordestina espalhada por várias favelas do Rio. Foi punk, vendeu refresco de maracujá no Jacarezinho (zona Norte), foi menor aprendiz no Banco do Brasil, circulou muito e conheceu muita gente. Em outras palavras, ampliou suas redes de relacionamentos que lhe permitiram abrir portas para realizar seus projetos.
Vêm dessa formação eclética, aliada a estudos teóricos, as formulações que o levaram a pensar e liderar a criação da Agência de Redes para a Juventude, uma organização que tem como principal objetivo criar condições para que os jovens pobres das favelas possam concretizar seus projetos. "O jovem da favela não é carente, é potente", teoriza, reinterpretando a formulação usual com o claro objetivo de propor uma nova consciência. "Ele é tão criativo que inventou a mototaxi", exemplifica.
Segundo a visão de Faustini, o maior erro que vem sendo cometido ao longo dos vários anos nos quais se busca uma solução para o problema dos jovens das favelas é a ideia de levar uma proposta pronta para eles. A Agência de Redes inverteu essa premissa. Com o patrocínio da estatal Petrobras, a ONG entrevistou, porta a porta, na primeira rodada do projeto, 900 jovens de 15 a 29 anos de favelas pacificadas (Batan, Borel, Cidade de Deus, Chapéu Mangueira e Babilônia, Providência, Cantagalo e Pavão/Pavãozinho) perguntando o que eles gostariam de fazer.
Eduardo Henrique teve seu projeto selecionado pela Agência de redes: hoje a sua Maneh Produções promove festas e eventos no Chapéu Mangueira
A pesquisa selecionou 300 jovens que tinham algum tipo de desejo para uma espécie de curso, chamado Ciclo de Estímulo, de quatro meses, com uma bolsa mensal de R$ 100. No período, o jovem tinha quatro chances de mudar de ideia e o propósito finalmente adotado precisava envolver pelo menos cem pessoas da comunidade onde ele vivia.
No fim, uma banca definiu 30 projetos que receberam uma bolsa de R$ 10 mil para desenvolver os projetos, etapa na qual eles estão hoje. Segundo Faustini, a Agência "é uma metodologia", uma proposta para permitir ao jovem agir e interagir, criando seus espaços (redes) na cidade a partir dos quais ele vai desenvolver suas potencialidades". Um exemplo dentro dá própria Agência de Redes: os 30 projetos selecionados acabaram envolvendo pelo menos cem dos 300 jovens inicialmente escolhidos.
Eduardo Henrique, 26 anos, morador do Chapéu Mangueira, é um eles. Com mais quatro amigos, criou a Maneh Produções & Eventos, nome retirado das iniciais do grupo, mas que tem o simbolismo de inverter o sentido do termo "mané", sinônimo de bobo, otário. O bordão da Maneh, conta Henrique, é "pós-malandragem".
Os amigos ficaram para trás e Henrique prosseguiu sozinho na ideia de recriar na favela o lado bom do que o tráfico promovia ma comunidade: festas, especialmente as chamadas "festas de datas", como a do Dia das Mães e a do Dia dos Pais, além de outros eventos festivos. Em março, a Maneh produziu toda a infraestrutura para uma feira de artesanato no Chapéu Mangueira. Como pagamento, ficou com a exclusividade da venda de bebidas.
Para a Conferência Rio+20, a Maneh deverá montar a infraestrutura de eventos que estão previstos para a comunidade, como shows de artistas locais. "Antes das UPPs a gente já promovia festas, muitas vezes sem remuneração, só pelo prazer", conta. Com ensino médio completo, Henrique agora quer fazer um curso superior de produção cultural. (CS)