Título: BNDES libera crédito para cooperativa produzir cachaça no Jequitinhonha
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2006, Brasil, p. A2
Com uma renda domiciliar média mensal de R$ 281,50, equivalente a 25,2% da brasileira (Censo 2000), os municípios de Araçuaí, Caraí, Comercinho, Francisco Badaró, Jenipapo de Minas, José Gonçalves de Minas e Virgem da Lapa, no médio Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, estão em uma das regiões mais pobres do Brasil, inserida no semi-árido brasileiro.
Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as únicas atividades produtivas da região intercambiáveis com o restante do país são o garimpo de pedras preciosas, com graves danos ambientais, e a produção de cachaça. O banco estatal decidiu apostar na segunda como alternativa para elevar a produção e o nível de vida na área do Jequitinhonha.
Na semana passada a diretoria da instituição aprovou pela primeira vez um financiamento para uma cooperativa de produtores de cachaça, a Cooperativa Cachaçaboa, com sede em Araçuaí, espécie de metrópole da microrregião, com a maior renda domiciliar média (R$ 347) e também a maior população (35.713). Com o financiamento de R$ 1,89 milhão, sendo R$ 1,5 milhão a fundo perdido, os 28 cooperados pretendem construir uma estrutura de estocagem, homogeneização, análise química e engarrafamento para lançar no mercado já em novembro deste ano, a Coração do Vale.
"Queremos lançar um produto de qualidade no mercado nacional e, no futuro, no internacional", projeta o alemão Heinrich Nikolaus Busselmann, 58, conhecido na região apenas como Rainer, obviamente, pela maior facilidade de pronúncia. De origem rural, ex-militante, "pacificamente", ressalta, dos movimentos sociais europeus do fim dos anos 60, ele estudou sociologia e filosofia em Berlim, mas reencontrou de vez sua vocação agrária ao chegar, em 1987, ao Vale do Jequitinhonha como membro de uma organização voltada para prestar "assistência técnica", segundo explicou, aos agricultores da região.
Comprou 30 hectares de terra, casou, teve dois filhos e se integrou ao Vale. Hoje sonha que o cooperativismo em torno do produto mais conhecido do Vale - Araçuaí fica próxima a Salinas, a capital brasileira da cachaça - pode ser o ponto de partida para o Jequitinhonha vencer o atraso secular. Rainer conta que imperava na área onde foi criada a Cachaçaboa "a concorrência desleal e ruinosa pelo mercado local" que, de contrapeso, estimulava o alcoolismo.
O difícil manejo da água, agravado pela degradação da cobertura vegetal, reduz às vezes a 10 hectares o aproveitamento de glebas de 100. A criação de gado leiteiro é de baixo retorno, assim como outras iniciativas, como a criação de porcos, recentemente abandonada pelo próprio Rainer. Mas a cana-de-açúcar se adapta e gera uma cachaça de qualidade cada vez mais reconhecida. Faltava organizar e formalizar a produção, passos quase impossíveis, individualmente, para a maioria. "É possível produzir destilado competitivamente", afirma o líder da Cachaçaboa.
A meta da cooperativa, segundo o projeto levado ao BNDES, é elevar em três anos a produção dos seus associados de atuais 400 mil litros para 1,2 milhão de litros por safra. O investimento total nos equipamentos e prédios da cooperativa é de R$ 2,039 milhões, mas os cooperados também estão investindo individualmente, em parte com recursos do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, de R$ 10 mil a R$ 50 mil para adequar suas instalações aos padrões técnico-sanitários exigidos.
Segundo Rainer, a primeira safra da Coração do Vale terá pinga de apenas 20 dos cooperados, os que já se adequaram aos padrões e que estão produzindo a cachaça como padrões que permitem serem homogeneizadas sem mudanças sensíveis no paladar e na qualidade geral. A cooperativa vai garantir um preço-base de R$ 1,50 por litro, pagando mais ou menos de acordo com a qualidade. Há outros 20 produtores já inscritos para entrar na associação, mas Rainer é cauteloso. "Não queremos abrir demais para não afetar a qualidade, nem da cachaça e nem da cooperativa".
O financiamento concedido à Cachaçaboa é o terceiro da linha denominada Programa de Investimento Produtivo Coletivo, criada no ano passado pela Área Social do BNDES. Segundo Eduardo Diniz, gerente do Departamento de Economia Solidária do banco, há outros 40 projetos em fase de tramitação, totalizando, com os três já aprovados, R$ 46,5 milhões de demanda. A linha empresta até 80% a fundo perdido, podendo chegar a 85% se houver um parceiro estratégico que, no caso da Cachaçaboa é a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Os financiamentos aprovados antes do projeto do Vale do Jequitinhonha foram para uma cooperativa de produtores de mel do Maranhão e uma de laticínios do Oeste do Paraná. Está em vias de aprovação outro projeto de cachaça do Vale do Jequitinhonha, para a Cooprocaje, uma cooperativa do Baixo Vale do Jequitinhonha, com sede no município de Jequitinhonha. Ela hoje conta com cooperados em cinco municípios, mas que pode abranger 17, o mesmo números de cidades da microrregião onde surgiu a Cachaçaboa.