Título: Exploração eleitoral tira eficácia da segurança
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2006, Opinião, p. A12
O seqüestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado, da TV Globo, em São Paulo, eleva as ações do Primeiro Comando da Capital (PCC) a um outro patamar, além do mero ato criminoso. Houve, sim, uma politização do PCC, quando a sua atuação transcendeu o crime comum e passou a incorporar técnicas de guerrilha urbana, destinadas a tensionar o tecido social e desafiar organizadamente o Estado.
O seqüestro do repórter e do técnico da TV Globo, o primeiro libertado mediante exigência de veiculação de um vídeo com reivindicações do grupo, reedita uma velha técnica de propaganda de facções políticas clandestinas. A lembrança de uma situação similar dá idéia da gravidade desse ato: na segunda-feira, dois jornalistas estrangeiros foram seqüestrados perto do serviço de segurança palestino, numa área conflagrada por uma guerra com um país vizinho e por fortes dissenções internas. No caso brasileiro, a conflagração vem dos presídios e toma as ruas além de seus muros pelas mãos de um comando que domina o crime, à semelhança do que aconteceu na Colômbia, onde o tráfico se encontrou com a organização guerrilheira Farc até que um não conseguisse se dissociar do outro.
Houve, sim, politização da ação do PCC, mas ela se resume à sua estratégia: a atuação entre uma massa de presidiários; a cooptação de uma população jovem e pobre da periferia não apenas pelo tráfico, mas por políticas assistencialistas e, alternadamente, pelo terror; e a intimidação da população pelo seu poder de fogo e de organização. Essa politização prospera, no entanto, na esteira da politização da questão da segurança pública levada a efeito pelos governos do Estado e federal e pelos candidatos em disputa. O próprio ministro Márcio Thomaz Bastos, em entrevista ontem, reconheceu isso, ao dizer: "Não é só uma questão de dinheiro (para a segurança). É muito querer trabalhar todo mundo do mesmo lado. É uma coisa muito difícil de fazer neste ano, que é um ano eleitoral".
O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, responsável pela segurança pública do Estado de São Paulo nos últimos seis anos na condição de governador, deu rosto novamente a esta politização ontem ao afirmar que o ato foi "terrorismo político-eleitoral" e desfiar insinuações sobre sua natureza. O candidato tucano ao governo, José Serra, embora mais comedido, foi na mesma linha: "Não estou dizendo que tem partido instruindo o PCC, mas o PCC é contra o PSDB", afirmou. Da mesma forma, o governo federal tem manipulado politicamente a negociação de verbas para a segurança e o envio de tropas do Exército para o Estado.
Um caminho mais fácil para unir esforços para libertar um Estado que virou refém de uma organização criminosa seria o reconhecimento da evidência de que a politização do crime não é partidária, mas assume a forma de confronto com o Estado - este, a organização política da sociedade, representada pelas unidades federadas - e com as instituições que lhe dão sustentação, como a Justiça e o Ministério Público, e mesmo o aparelho policial, todos sob ataques do PCC. Os partidos pleiteiam, nesse processo eleitoral, o comando político desse Estado com "e" maiúsculo, que está sob a ameaça de atos que fogem ao seu controle. Seria de interessar a todos a solução rápida deste problema, antes que ele escape totalmente das autoridades. Dada a gravidade dos acontecimentos, é preciso retirar, imediatamente, a questão da segurança pública da agenda eleitoral. O jogo político-partidário que ocupou a cena nesses três meses de ação organizada do PCC para intimidar a sociedade e o Estado está favorecendo o crime. Essa é uma evidência que não vai ser escondida pelos palanques e pelos discursos dos candidatos. O eleitor está atento.
A TV Globo agiu corretamente, ao veicular o vídeo do PCC para salvar a vida do repórter Portanova. Essa é a recomendação que as entidades internacionais dão em situações de conflito. É lamentável, no entanto, que a situação tenha chegado a um tal extremo que o crime consiga usar a imprensa para efeito de propaganda. O problema tem que ser encarado seriamente: estão em risco a segurança dos cidadãos e a liberdade de imprensa e está em questão a autoridade do poder público.