Título: Eficiência em pauta
Autor: França, Lúcia
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Caderno Especial, p. F1

As micro e pequenas indústrias representam quase 99% das empresas do setor industrial. Empregam mais gente, quase 60% de ocupações no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, mesmo assim, elas muitas vezes não conseguem nem exportar (respondem por menos de 20% das vendas externas) nem, em muitos casos, sobreviver por muito tempo. Essa condição, aliada à falta de capacitação em gestão e acesso ao crédito, faz com que 55% delas fechem as portas em até cinco anos, revela o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Foi com essa realidade que Valdinei de Oliveira Matiussi se deparou um ano depois que montou sua pequena indústria, em Botucatu, interior de São Paulo, há 10 anos. O ex-torneiro mecânico trazia em sua bagagem aquilo que considerava essencial para seu novo negócio: o conhecimento do trabalho. Mas rapidamente percebeu que só a vivência em grandes fábricas não era suficiente para que sua empresa sobrevivesse. Com tanta burocracia e necessidades gerenciais que desconhecia quando era empregado, ele só conseguiu evitar o pior porque foi incluído em uma incubadora mantida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

"Ter o conhecimento operacional não bastou, porque a parte de gestão não é nada fácil. Percebi que, fazer um produto, qualquer um faz, mas manter uma empresa no mercado é outra coisa bem diferente", explica Matiussi. Na incubadora, a Fertec Tornearia Ltda começou a funcionar melhor e crescer. Por dois anos, o pequeno industrial recebeu todo o suporte e consultoria de gestão, marketing e vendas. Depois deste período estava forte para andar com as próprias pernas.

Hoje, depois de uma década de vida, a indústria ocupa uma área fabril de 3.400 metros quadrados, muito maior que os 54 metros que tinha quando surgiu. O número de empregados saltou de três para 69 e hoje a Fertec fornece partes e peças de veículos para grandes indústrias.

Mesmo assim, ela ainda tem bastante dificuldade, como, por exemplo, conseguir exportar seus produtos. "Nunca consegui exportar porque estamos muito voltados para a produção de peças específicas. Além disso a carga tributária ainda é muito pesada".

Para que mais empresários como Matiussi possam obter ajuda, entidades governamentais e de fomento à pequena e média empresa estão se unindo. O objetivo é dar mais fôlego a este importante setor da indústria, responsável por 31% do PIB nacional e 34% da arrecadação de ICMS. "Essa é uma fatia bastante significativa da economia brasileira. Por isso, foi criado dentro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) um departamento exclusivo para tratar dos assuntos referentes à pequena e média empresa", explica Milton Antônio Bogus, diretor titular da área.

O objetivo da entidade é levar a esses empresários informações e, principalmente, acesso ao crédito, para que possam melhorar sua gestão e crescer. Um dos programas criados foram as "salas de crédito", onde empresários e instituições financeiras se aproximam e podem negociar melhores condições, reduzindo um dos principais gargalos na obtenção de recursos. "Mesmo assim, muitas vezes as negociações não avançam por falta de condições dos empresários e do alto custo dos financiamentos, com spreads muito alto", explica Bogus.

Segundo ele, os pequenos industriais desconhecem os diversos mecanismos de obtenção de financiamento para investimento em equipamentos e acabam gastando até seu próprio dinheiro com isso, ficando sem capital para tocar o dia-a-dia da empresa. Além disso, muitos não têm garantias suficientes para a realização das operações de crédito.

Na linha de capacitação, foram firmados acordos pela Fiesp com a Fundação Instituto de Administração (FIA) e até o final de agosto começa a primeira turma de MBA em gestão da indústria para 30 empresários. "Temos nos empenhado muito para ajudar os micro e pequenos industriais, montando cursos com a Escola de Administração da Mauá (SP) e dando todo o suporte através de cursos, palestras e ações das incubadoras porque o acesso à informação é primordial", explica o diretor da Fiesp.

A entidade também organizou um Fórum Brasil-Itália para mostrar aos brasileiros o know how dos italianos em pequenas produções. Essa aproximação já incentivou o comércio entre os dois países e foram agendados cerca de 1.600 negócios em apenas dois dias. "No dia 20 de outubro levaremos um grupo para a Itália para complementar a rodada de negociações iniciadas no Brasil".

Todas essas ações coordenadas ajudaram a melhorar o cenário das pequenas indústrias, que hoje representam uma grande oportunidade de ocupação de mão-de-obra no Brasil. Segundo o economista do Sebrae, Pedro João Gonçalves, são as pequenas e médias fábricas que estão absorvendo os profissionais que estão deixando as grandes empresas, em função da automação para ganhos de escala. "Além disso, as grandes vêm optando pela terceirização de muitas partes e peças com as pequenas, o que incentiva ainda mais a migração da mão-de-obra para estas empresas", explica o economista.

Gonçalves diz que o ganho de espaço das pequenas no cenário, ocorrido entre 1996 e 2002, também foi impulsionado pelo crescimento de alguns tipos de indústria que necessitam de mão-de-obra mais intensiva, como confecções, móveis, cerâmicas, jóias, entre outras.

Apesar de todo este esforço, o planejamento empresarial neste setor ainda é considerado precário pelas instituições. "Falta qualidade de gestão nestas empresas e ainda há muito trabalho a ser feito", explica o economista do Sebrae. Ele cita como exemplo disso o alto número de empresas (46%, segundo pesquisa feita pela instituição) que não mantém nem um cadastro de clientes em dia. "Em mercados competitivos, não conhecer seu cliente é crítico". Por conta dessa falta de estrutura, cerca de 29% delas fecham em um ano.

Quanto aos investimentos, uma pesquisa realizada pelo Sebrae no primeiro semestre mostrou que três quartos das pequenas e médias indústrias planejavam alocar recursos. Cerca de 33% queria reformar suas instalações, outros 33% queria capacitar melhor seu pessoal, e outros 33% planejavam a compra de maquinário e equipamentos de informática.

Conscientes da importância da formação, instituições que congregam as indústrias e incubadoras atuam na capacitação gerencial para levar informação a quem precisa. Isso implica apoio intensivo à aprovação da lei voltada para as micro e pequenas empresas que está em tramitação no Congresso. "São necessárias políticas mais consistentes que nos ajudem", afirma Valdinei Matiussi.