Título: Irmãos Ferreira, os reis do pano de prato
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Caderno Especial, p. F5

Na pequena Jardim de Piranhas, no sertão do Seridó, distante 300 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, a população não vive mais de olhar para o céu e esperar chover para plantar.

Há cerca de 20 anos, a economia da cidade, antes centrada na tecelagem feita com teares manuais para a fabricação de redes, viveu uma expansão com a compra de máquinas vindas de grandes indústrias têxteis de Americana, em São Paulo. Enquanto estas investiam em novas tecnologias, os tecelões do Seridó trocavam os rudimentares teares de madeira pelos mecânicos, defasados para as fábricas paulistas mas perfeitamente adaptáveis às necessidades da produção local.

A cidade de 13 mil habitantes tornou-se então um Arranjo Produtivo Local (APL) com 250 unidades industriais, que comercializam cerca de 4,5 milhões de peças por mês. O maior volume é o de panos de prato, seguido por aventais, jogos americanos, mantas, capas de almofadas, cortinas e tapetes de algodão. "A produção é em larga escala, mas as peças têm características de artesanato", explica o diretor técnico do Sebrae/RN, João Hélio Cavalcanti.

Não há desemprego na região, pelo contrário. Costureiras são recrutadas nos municípios vizinhos de Caicó e Currais Novos, que também produzem peças para o APL. A média salarial dos operários varia de R$ 450,00 a R$ 500,00 por mês - valores significativos para uma área de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Algumas empresas chegam a ter 30 funcionários. De 250, só 70 fábricas são formais e a carteira assinada ainda não chegou para a maioria dos trabalhadores. O presidente da Associação das Indústrias Têxteis de Jardim de Piranhas (Asitex), Orlando Oliveira, revela que incentivos fiscais do governo estadual favoreceram a economia local e os empresários contam com linhas de crédito do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e do Banco do Brasil. A cidade não tem nenhuma agência bancária, que só existe nas vizinhas Caicó e São Bento (PB).

A revolução provocada pelos teares mecânicos incentivou a busca pela modernização, mas agora com foco em gestão e aumento da produtividade. Um grupo de 34 indústrias vinculadas à Associação da Indústria Têxtil de Jardim de Piranhas vem recebendo apoio do Sebrae do Rio Grande do Norte desde 2004, para chegar ao mercado nacional com produtos diferenciados e de maior qualidade. Os empresários passaram a fazer parte da Gestão Estratégica Orientada para Resultados (Geor), metodologia do Sebrae de acompanhamento de projetos. Eles receberam capacitação gerencial e operacional, absorvendo conceitos nas áreas de finanças, marketing, recursos humanos, formação de preços, produção e layout, e a inserção de designers para o desenvolvimento de novos produtos.

"Com a associação e o projeto do APL de tecelagem do Seridó, as fábricas passaram a cooperar entre si para aumentar a competitividade", revela a economista e gestora do projeto, Verônica Pontes. Associados, os empresários conseguiram uma redução média de 50% no preço do fio de algodão, principal matéria-prima dos produtos, comprada do Ceará, Sergipe e Paraíba. O consumo mensal é da ordem de 500 toneladas por mês o que, segundo eles, revela a demanda pela instalação de uma fábrica de fios na região. "O associativismo permite trabalhar organizado. Para a micro e pequena empresa trabalhar só é suicídio. Se as grandes se associam, imagine as pequenas", diz Oliveira.

A pesquisa comparativa entre o início do projeto, em 2004, e as metas alcançadas, antes do prazo estimado - dezembro de 2006 - mostra resultados animadores. O volume de peças para o mercado interno cresceu 17,75% e a carteira de clientes, 94%, quando a meta era um aumento de 10%. O mix de produtos dobrou, para 16 itens, um reflexo das inserções de design a partir de estudos de mercado. A pesquisa mostra ainda que 80% da produção são distribuídos para todas as regiões, menos Sul e Sudeste, por dificuldades de frete rodoviário. A perspectiva é que isso mude com a implantação de um centro de distribuição na cidade.