Título: Empregados colocam em dúvida plano de recuperação da Ford
Autor: Kiley, David e Welch, David
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Empresas, p. B8
Puxe um banco na hora do almoço no Miller´s Bar, um modesto e popular restaurante a pouco mais de 1 quilômetro da "Casa de Vidro", como é chamada a sede da Ford Motor em formato de caixa, em Dearborn, Michigan, e você poderá ouvir um monte de trabalhadores cansados, preocupados com o futuro da empresa. Sempre lotado, o bar, de decoração simples e iluminação fraca, é uma verdadeira instituição em Dearborn, onde tudo é servido envolvido apenas em papel impermeável e as únicas opções do cardápio são hambúrgueres, batatas fritas e aros de cebola fritos. Esqueça os talheres.
"Nos dias de hoje, gosto mais da atmosfera daqui do que da fábrica", diz um veterano de 20 anos da Ford, do setor de serviço e vendas.
Estes são dias duros no "País Ford", como Dearborn é chamada freqüentemente. A participação de mercado da montadora caiu 4 pontos percentuais, para 16%, desde 2001, quando William C. Ford Jr., herdeiro da família assumiu o comando. O valor de mercado da empresa caiu pela metade, para US$ 14 bilhões. A situação ficou tão feia que a Ford contratou um executivo de banco de investimento para avaliar a possibilidade de venda de marcas de luxos da empresa, como a Jaguar.
Os problemas são bem conhecidos. O que os forasteiros não conseguem ver é a profundidade do desespero dos funcionários, que, em grande parte, se origina de problemas internos como as turbulências gerenciais e as constantes mudanças de estratégia. No Miller´s, outro gerente sênior, que em abril passado foi levado a um centro de conferência no museu histórico Henry Ford, próximo a Greenfield Village, para assistir a uma apresentação sobre a terrível situação da empresa, disse nunca se sentiu tão abatido.
"O problema com o negócio automotivo é que leva anos para consertar o que está errado", diz outro funcionário, que, como seus colegas, não quer ser identificado por medo de perder o emprego. "Estamos consertando há quatro anos já; e precisaremos de mais três até que vejamos alguma luz. Quem já ouviu alguma vez de um plano de recuperação de sete anos?"
Ninguém. A sensação dominante nas redondezas de Dearborn é que o executivo-chefe Bill Ford teria sido demitido pelos conselhos de administração da maioria das empresas se seu sobrenome fosse Smith. De fato, há até apostas sobre quanto tempo Ford continuará como executivo-chefe, diz outro habitante da Casa de Vidro. Longe de estar acomodado no papel, Bill Ford admite que tentou recrutar o presidente do conselho de administração da DaimlerChrysler, Dieter Zetsche, e o executivo-chefe da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, para ocupar seu cargo.
Ele ainda procura um substituto. "Bill está bastante decidido a encontrar um executivo-chefe [...] a família Ford ficaria contente em ter um novo executivo-chefe", diz uma fonte próxima a ele.
O diretor das operações americanas da Ford, Mark Fields, diz saber que é uma tarefa dura. "Se é tenso? Sim." Apesar dos esforços de Fields para inspirar as tropas, sua indicação resume bem o que está errado na empresa. Ele é o quarto diretor das operações na América do Norte em quatro anos. Ford também teve três diretores de desenvolvimento de produto e quatro diretores da Ford Europa nesse período.
"A mudança de executivos custou à Ford tempo valioso em seguir adiante com a recuperação", observa Earl Hesterberg, executivo-chefe do gigantesco grupo de concessionárias Group 1 Automotive, que deixou um alto cargo de marketing da Ford, no ano passado.
Todas essas mudanças deixaram a Ford com modelos menos atraentes do que os da Toyota, Chrysler e General Motors, justamente quando o plano original de reestruturação deveria estar rendendo frutos.
O humor negro está tornando-se lugar comum, dizem os funcionários. Um engenheiro que trabalha há mais de 20 anos para a Ford diz que é comum encontrar historias negativas circulando em e-mails, como a vista recentemente com o título "Corra, Forrest, Corra" (em referência ao filme "Forrest Gump - O Contador de Histórias"), alertando sobre a opção de renunciar agora ou aceitar o pacote de indenização para deixar a empresa antes de grandes cortes de empregos. A lógica é que se esperarem por uma indenização poderiam estar em meio a um monte de trabalhadores na mesma situação, como se estivessem tentando vender uma casa em um mercado já saturado.
No Miller´s, dois sujeitos estão sentados no balcão comendo hambúrgueres e falando do sucesso inesperado do time de beisebol Detroit Tigers. Pelo menos um motivo para ficar animado. A família Ford é dona do time de futebol americano Detroit Lions, que teve três técnicos nas últimas cinco temporadas e nenhum título. Enquanto ocorre a pré-temporada, Ford prepara seus novos planos de reestruturação, que serão anunciados em setembro. Para os Lions, sempre haverá o próximo ano para tentar outra vez. A Ford Motor não poderá dar-se a esse luxo.