Título: Mãos ásperas trabalham como máquina
Autor: Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Agronegócios, p. B12

As mãos são pequenas e ásperas, porém ágeis o suficiente para tirar os grãos das ramas dos cafezais. O trabalho começa cedo no cerrado mineiro, às 7 horas da manhã, e segue até perto das 5 horas da tarde. Apesar de cansativo e monótono, quase ninguém reclama. Os apanhadores de café sabem que já começaram a perder espaço para as colheitadeiras, que invadem em ritmo acelerado os cafezais.

Para passar seu tempo nas plantações, Maria de Fátima Damázio, 36 anos, 26 deles dedicados aos cafezais, canta. Sem luvas, suas mãos retiram os grãos de café dos galhos com uma agilidade de máquina. "Desde os dez anos de idade acompanho minha mãe nos cafezais", diz. Reinaldo Damázio, 40 anos, irmão de Maria de Fátima, faz o mesmo há pelo menos 20 anos.

Os dois são da região de Monte Carmelo e tiveram sorte de serem absorvidos nas lavouras. Assim como eles, outros apanhadores de café foram para o campo por não terem emprego na cidade. A região do cerrado mineiro viu suas cerâmicas fecharem as portas e boa parte desta mão-de-obra foi aproveitada nos cafezais.

O trabalho na colheita de café dura cerca de quatro meses e a remuneração é calculada de acordo com a produtividade do trabalhador. Os apanhadores ganham por saca de 60 quilos colhida. O valor pago depende da quantidade de café nas lavouras. O salário mensal dos trabalhadores oscila entre R$ 400 até pouco acima de R$ 1 mil mensais.

Segundo o Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (Caccer), as fazendas são obrigadas a fornecer equipamentos de proteção (EPIs). As certificações destas fazendas com o selo Café do Cerrado também incluem boas práticas trabalhistas. Ou seja, essas fazendas são avaliadas neste quesito - que é considerado desclassificatório - antes de adquirirem o selo, afirma José Augusto Rizental, superintendente da Caccer.

O Valor conheceu entre os dias 9 e 11 de agosto algumas fazendas da região do cerrado mineiro, depois de percorrer um total de 560 quilômetros, e flagrou alguns trabalhadores de uma das propriedades visitadas em Patrocínio sem equipamentos adequados de proteção e com reclamações sobre salários atrasados. Também não havia banheiro ambulante no local, quesito que é obrigatório.

Segundo Rizental, essa prática já desclassificaria a fazenda para a certificação. Ele informou que este caso é exceção na região.

Boa parte dos apanhadores de café do cerrado de Minas Gerais vem do norte do Estado. Outros migram da região Nordeste do país. Casos de Claudimir Campos Santana, 26 anos, Valdir Dias Pereira, 23 anos, ambos de Licínio de Almedia, na Bahia. Os dois ganham cerca de R$ 800 por mês durante quatro meses. Depois voltam para a Bahia para continuar seus trabalhos na roça.

Quando termina a colheita, os que moram na cidade próxima às fazendas buscam alternativas na região. Maria de Fátima é também cabeleireira e manicure. Suas mãos pequenas e ásperas, que durante os quatro meses de colheita colhem café das árvores, também cuidam de outras mãos. "É uma profissão que eu gosto", diz. Seu irmão Reinaldo tenta se virar como servente nos meses que não está nos cafezais.(MS)