Título: Associações conquistam espaço e passam a "concorrer" com bancos
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Finanças, p. C1

Está disparando a concessão de crédito consignado por meio de associações sem fins lucrativos. Associações de aposentados e funcionários públicos sem fins lucrativos são imunes de impostos ao emprestar crédito a seus associados. O problema é que muitas delas atuam como promotoras de crédito normais para os bancos, emprestando recursos a qualquer aposentado do INSS ou funcionário público, sem pagar imposto sobre as comissões recebidas - em média 6,5% do valor do crédito. O consignado , segundo dados do Banco Central, chegou a R$ 40,4 bilhões em junho, quase metade da carteira de crédito pessoal. Não há estimativas do total feito via associações, porque as operações não são diferenciadas nos balanços de bancos e financeiras.

O Valor visitou duas lojas de associações no centro de São Paulo, uma da Casebrás na rua Sete de Abril, e outra na Xavier de Toledo, dizendo-se interessado num empréstimo para um parente aposentado. Nas duas lojas não há nenhum logotipo das associações, apenas material do banco BMG. Em nenhum momento os atendentes perguntaram se a pessoa que receberia o crédito era associada ou não- apenas se era aposentado do INSS. Forneceram taxas de juros, valores de parcelas e documentos necessários. O CNPJ da Casebrás na Receita é de "outras atividades associativas".

O presidente da Casebrás, Gilvan Sabino, diz que as lojas no centro de São Paulo visitadas pelo Valor pertencem a outra empresa do mesmo grupo, uma promotora comercial chamada Padrão de Vida, apesar de os telefones estarem em nome da Casebrás. A associação sem fins lucrativos tem 12 mil associados que incluem qualquer tipo de funcionário público (municipal, estadual ou federal) e aposentados. A própria Casebrás faz anúncios dizendo que associa interessados em tomar crédito.

A Padrão de Vida tem 40 lojas em todo país e a Casebrás opera em 12 estados no Nordeste, além de ter lojas em São Paulo e Rio. Sabino diz que as duas empresas são "coligadas do mesmo grupo", embora uma tenha fins lucrativos e a outra não.

Em resposta às questões sobre o assunto, a Receita Federal informou que a fiscalização do crédito é de responsabilidade do BC, mas "entidades sem fins lucrativos devem tomar cuidado para conceder crédito sem autorização do órgão regulador, porque podem perder a isenção".

O banco BMG não é o único a usar serviços de associações para concessão de crédito. O Daycoval usa a associação Aserpub, no Ceará. "Usamos essa associação porque o governo cearense não fornece códigos para bancos fazerem operações consignadas diretamente. Temos que usar essa associação", diz o diretor do Daycoval, Morris Dayan. A Aserpub tem 9 mil associados, número superior ao de funcionários públicos do estado. "Não temos condições de julgar se 100% são de operações isentas do ponto de vista da associação", diz Dayan.

Tanto o BMG quanto o Daycoval afirmam pagar todos os impostos devidos na carteira gerada pelas entidades sem fins lucrativos. As comissões são pagas como a outros correspondentes. Quando os créditos entram no balanço do banco, são tributados com IR e CSLL normalmente. Mas não há retenção de IR na fonte sobre os valores das comissões.

Numa resposta escrita, o BMG diz que "sobre as operações de crédito afinal contratadas (...) incidem os tributos devidos". Mas admite que não sabe se todas as operações são para associados. "O Banco BMG adota os cuidados ao seu alcance para verificar a regularidade dessas associações, inclusive a condição de associado do tomador do empréstimo, tal como por elas declarado. Observa, porém, que a fiscalização exaustiva das condições legais que as tornam isentas de determinados impostos só pode ser realizada pelos órgãos públicos competentes". O BMG enviou um fac simile de uma consulta à delegacia da Receita Federal de Belo Horizonte de maio de 2004 na qual o órgão afirma que esse tipo de associação não está sujeito à retenção de IR na fonte.

Entre as associações com grande volume de crédito gerado, segundo fontes de mercado, estão Sindicredi, Aserpub, Abespp (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), Assomasp (Associação Mineira de Auxílio ao Setor Público), Cissex (Caixa de Assistência), Nordeste Cred (atuação no Piauí), Casebrás , CNASP (Coletivo Nacional de Advocacia para Servidores Públicos), ASP, Aspbras (Associação dos Servidores Públicos Brasileiros) e Seasp (Sociedade de Assistência ao Servidor Público), entre outras. O Valor contatou algumas das maiores. O presidente da Cissex, Osmir Camargo da Fonseca, informou por meio de sua secretária que não falaria com o jornal. A associação é uma das maiores concedentes de crédito consignado do país. O jornal não recebeu retornos da Assomasp, de Minas, nem da Aserpub, com sede em Fortaleza, Ceará. Diversas dessas associações têm o CNPJ com a mesma classificação da Casebrás.

Uma pesquisa na lista de entidades autorizadas pelos estados a conceder créditos consignados mostra a proliferação destas entidades. Minas Gerais, por exemplo, lista 81 associações credenciadas e 38 bancos.

O uso de associações incomoda alguns concorrentes, que reclamam de custos menores e remuneração maior diretamente ao promotor por causa da imunidade. Duas fontes de banco médio afirmam não utilizar estas associações porque a situação tributária nebulosa "cria um risco fiscal para o banco".