Título: Brasil evita desgaste com a Bolívia por conta da OAS
Autor: Murakawa ,Fabio
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2012, Internacional, p. A12

A presidente Dilma Rousseff colocou panos quentes na polêmica envolvendo a anulação do contrato para a construção de uma estrada na Bolívia pela empreiteira brasileira OAS. Em conversa com o presidente Evo Morales, há duas semanas, Dilma disse que o governo brasileiro "não é advogado da OAS" e que o Brasil não vai forçar a Bolívia a fazer algo que não queira por meio de interferência política, segundo fontes próximas ao tema.

A presidente, porém, reiterou que a medida não agradou ao Brasil e disse a Morales que as boas relações entre os países "passam pela capacidade de as empresas brasileiras fazerem negócio na Bolívia".

"Não podemos dar a impressão de que somos porta-vozes da empresa. Mas achamos que o governo boliviano foi além nesse caso", disse uma autoridade brasileira.

Dilma disse ainda querer evitar que La Paz execute a garantia bancária de US$ 29 milhões depositada pela OAS, o que prejudicaria a empresa. O governo brasileiro vem pressionando Morales para que não o faça. "Minha expectativa é que na semana que vem nós tenhamos notícias tranquilizadoras, que evitem criar desgaste político sem necessidade", disse uma fonte.

Por orientação de Dilma, o Brasil não dificultará o acesso do país vizinho a financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para obras executadas por empresas brasileiras. O banco avalia atualmente a possibilidade de financiar um projeto de mineração avaliado em US$ 500 milhões envolvendo a empresa brasileira Setal e a espanhola Técnicas Reunidas para a produção de zinco metálico nos Departamentos (Estados) de Oruro e Potosí. Segundo uma fonte, o BNDES acompanha o desfecho do caso da estrada, mas "não considera que a polêmica afete a avaliação outros de projetos na Bolívia".

Diferentes fontes dão explicações diversas para a postura da presidente. A versão unânime é que, na avaliação de Dilma, esse impasse não deveria contaminar as relações bilaterais, que envolvem outros temas importantes, como gás e combate ao narcotráfico.

Outro fator é a percepção em Brasília de que muitas das decisões tomadas por Morales são motivadas pela alta temperatura do ambiente político boliviano. "Medidas como essa são muito mais marketing político do que intenção de dar uma pancada no Brasil. Não nos interessa ter um conflito com o vizinho", disse uma fonte.

Outra fonte deu ainda uma explicação local. "Há aí também um componente de política interna brasileira. Não foi a Dilma quem levou essa empresa para a Bolívia", disse. O acordo entre a OAS e o governo boliviano foi fechado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008.

A estrada foi pivô de uma das maiores crises do governo Morales, por atravessar o território indígena Tipnis sem que houvesse um acordo com os nativos. Orçada em US$ 415 milhões, ela contava com um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES.

O BNDES não desembolsou nem um centavo do financiamento, em grande parte por conta das idas e vindas do governo boliviano no caso. Pressionado por uma marcha indígena, que teve amplo apoio da opinião pública, Morales assinou uma lei que impede qualquer obra de atravessar o parque. Isso desagradou sua base política de cocaleiros em Cochabamba, o que levou o presidente a aprovar uma consulta prévia sobre a obra.

No dia do anúncio, Brasília cogitava a possibilidade de evitar um encontro entre Dilma e Morales na Cúpula das Américas, dias depois na Colômbia. Morales, porém, não só conseguiu o encontro como voltou a La Paz dizendo que Dilma era "uma mãe" para a Bolívia.

Morales alegou que a OAS descumpriu prazos, além de apontar outras irregularidades, como a falta de apresentação de informes relativos a serviços prestados pela empresa e de sinalização nas obras, entre outros. Nesta semana, a OAS enviou uma carta ao governo boliviano contestando os argumentos. E se disse interessada em reativar o contrato. Ninguém no governo brasileiro, porém, acredita que isso venha a acontecer.