Título: Procurador-geral vai recusar convite para depoimento na CPI
Autor: Basile ,Juliano ; Ulhôa ,Raquel
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2012, Política, p. A8

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, vai recusar convites para prestar esclarecimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista que investiga o empresário Carlos Augusto Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira.

A recusa, segundo ele, tem base legal. Como atua na condução, pelo Ministério Público, do inquérito contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), Gurgel não pode figurar como testemunha. Se fosse à CPI, Gurgel prestaria esclarecimentos e isso poderia configurar a sua participação como testemunha nas investigações. Por outro lado, a sua função é de procurador, o que faz com que atue diretamente no processo, conduzindo as investigações. Portanto, Gurgel não poderia ser testemunha e, ao mesmo tempo, condutor das investigações.

A recusa de um procurador-geral para prestar esclarecimentos em CPI tem um forte precedente. Quando foi chefe do Ministério Público, Antonio Fernando de Souza recusou um convite feito pela CPI dos Correios, responsável pela apuração do esquema do mensalão.

Em 2005, durante a apuração do escândalo, Antonio Fernando informou aos parlamentares que não poderia prestar esclarecimentos ao Congresso, pois isso poderia configurar a sua atuação como testemunha, enquanto o seu papel era o de investigador. No ano seguinte, o então procurador-geral da República ofereceu a denúncia contra 40 pessoas envolvidas no esquema.

Na ocasião, o chefe do MP foi mais rápido do que os parlamentares. A denúncia foi oferecida em 30 de março de 2006, doze dias antes do relatório final da CPI. A oferecer a denúncia, Antonio Fernando adquiriu o status de acusador do mensalão. Por isso, ele não poderia ter deposto antes à CPI. Caso o fizesse, ele teria sido testemunha da Comissão de Inquérito, o que poderia inviabilizar a sua atuação, depois, como autor da denúncia do mensalão.

O precedente envolvendo Antonio Fernando e o mensalão deve ser explicado aos parlamentares na reunião que deve acontecer hoje entre Gurgel e o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e o deputado Odair Cunha (PT-MG), respectivamente presidente e relator da CPI encarregada de investigar as relações de agentes públicos e privados com o esquema ilegal de exploração de jogos de azar de Carlinhos Cachoeira.

Vital e Cunha vão convidar Gurgel para prestar esclarecimentos à comissão, antecipando-se a uma provável iniciativa dos integrantes do colegiado de aprovarem sua convocação. Parlamentares querem ouvir de Gurgel não só informações sobre as investigações, como também a razão pela qual demorou três anos para abrir pedir abertura de inquérito sobre Demóstenes Torres no STF, por envolvimento com Cachoeira.

Se aceitasse, Gurgel iria como convidado neste momento, mas isso não impediria uma futura convocação, segundo Vital. "Antes de a CPI convocá-lo, estou indo convidá-lo institucionalmente. Vou antes [da convocação], numa demonstração de boa vontade, de relação institucional. Pretendo mostrar que seus esclarecimentos são importantes, porque ele é que pediu abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Não quer dizer que ele vá, depois, outras vezes", disse Vital.

O colegiado tem reunião hoje, às 14h30, para definir seu programa de trabalho. Caberá ao relator, Odair Cunha, apresentar sua proposta de cronograma e sugestões de convocações. A comissão também escolherá o vice-presidente.

A CPI vai receber hoje do STF cópia do inquérito aberto para investigar o esquema de exploração ilegal de jogos de azar de Cachoeira, que, segundo Vital, somam 15 mil folhas de papel. Na sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu acolher o pedido da CPI para compartilhamento das informações do inquérito.

Apesar do caráter sigiloso do inquérito, os volumes vazaram para a imprensa na própria sexta, antes mesmo de chegar à CPI. Para Vital, o vazamento cria um "precedente forte". Ele defende que o STF tome as providências necessárias para apurar como o inquérito vazou. Segundo o senador, a CPI não pode ser responsável pelo sigilo "do que caiu no domínio público".

Vital distribuirá hoje aos integrantes da CPI uma espécie de manual de procedimentos, "com uma súmula dos capítulos referentes a CPI nos regimentos do Senado, da Câmara e no Comum das duas Casas. São orientações sobre as normas que regulamentam o uso da palavra, a apresentação de requerimentos e, enfim, todos os procedimentos de uma CPI.