Título: Exportações não dão sinal de sofrerem com o câmbio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Opinião, p. A12

As exportações vão de vento em popa em 2006 e as estimativas para o saldo da balança comercial começaram a ser revistas para cima. Uma boa aposta é que o resultado será maior que os US$ 40 bilhões previstos para o ano, o que contrasta fortemente com as reclamações crescentes de que o câmbio encontra-se muito valorizado e de que um declínio acentuado das vendas externas é só uma questão de tempo.

Mas o tempo passa e o saldo comercial não cai ou até mesmo sobe. Um país que deverá fazer algo como US$ 120 bilhões líquidos entre exportações e importações em três anos dificilmente poderia ser classificado como vítima de defasagem cambial aguda. O fato real é que o Brasil (e seus concorrentes também) continuam surfando numa maré de alta do comércio internacional, que tem sancionado preços crescentes para as mercadorias que vendem. Os números do primeiro semestre do ano, analisado pelo Valor (10 de agosto) são ilustrativos. Os setores teoricamente mais prejudicados pelo real valorizado sentiriam os efeitos primeiramente com a redução do quantum exportado (que já cai há um ano). Entre o primeiro semestre de 2005 e o de 2006, 12 dos 27 setores estiveram nesta situação, mas todos, sem exceção, conseguiram obter aumento de preços. Apenas o ramo de óleos vegetais teve reajuste ínfimo, de 0,9%.

Chama a atenção o fato de que, entre estes 12 setores, não é significativa a participação dos manufaturados, que seriam mais imediatamente atingidos por um câmbio muito valorizado. A exceção é madeira e mobiliário (recuo de 13,4%). As maiores reduções de volume exportado são de açúcar (22%), café (8,8%), abate de animais (8,1%) e óleos vegetais (27,9%). Há quedas para alguns minérios, indústria extrativa e alguns químicos. O que é significativo, entretanto, é que, excetuados produtos básicos e óleos vegetais, os aumentos de preços foram mais que suficientes para compensar o encolhimento do quantum, algo que indica uma boa posição de competitividade dos bens exportados à taxa atual de câmbio.

Dados da Funcex, indicam, por outro lado, que uma perceptível mudança começou a operar a partir de junho, quando a desaceleração do quantum exportado cessa e tende à estabilidade, com crescimento de 4,7% naquele mês, enquanto que o avanço dos preços mantiveram um crescimento estável na casa dos 12%, segundo a instituição. À estabilidade do quantum vem acoplado o aumento nada desprezível de 4,6% na rentabilidade das exportações, apesar da média negativa de 7% do resultado acumulado nos últimos 12 meses.

Mesmo setores sob forte concorrência de produtos chineses não tiveram um comportamento tão decepcionante como seria de se supor. No semestre, as vendas externas de têxteis cresceram 8% em valor, a de calçados, couros e peles, 10,1% e a de peças e outros veículos nada menos que 16,2%. Os economistas Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, e Maria Cristina Pinotti, em artigo no Valor (14 de agosto) fizeram um exercício tomando por base de comparação março de 2002, antes do furacão cambial provocado pelo período eleitoral. Calcularam o câmbio efetivo real por uma cesta de moedas e o colocaram lado a lado do efeito do crescimento dos preços internacionais. Sua conclusão é que "os exportadores estão recebendo atualmente 40% mais do que no início de 2002 e que a competitividade tem se mantido nos níveis mais elevados dos últimos 12 anos".

É certo que o avanço das exportações já foi mais disseminado, mas nem tanto, já que o grosso das vendas externas são feitas por duas centenas de empresas. Um sintoma da valorização é a eliminação de novos exportadores ou a expulsão do mercado de produtores com pequena margem de competitividade. Mas para eles a solução ideal não seria a desvalorização e sim um esforço de longo prazo para retirar obstáculos à capacidade competitiva do país como um todo. Há tributos demais, muita burocracia e um custo de capital proibitivo convivendo com uma infra-estrutura péssima e custos associados imensos. Com todas as desvantagens e a estrutura exportadora atuais, porém, o superávit comercial está longe de demonstrar um declínio suficientemente agudo que indicasse a existência de uma evidente valorização cambial.