Título: Por que pensar mais de uma vez
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Opinião, p. A13

Os grupos muçulmanos britânicos têm escrito ao primeiro-ministro, em reação aos eventos recentes, pedindo mudanças urgentes na política externa britânica. Eles argumentam, em particular, que a "derrocada no Iraque" e a incapacidade de fazer mais para assegurar um fim imediato às hostilidades no Oriente Médio fornecem "munição aos extremistas que ameaçam a todos nós". O governo precisa abandonar a sua política externa por que ela irrita a minoria de uma minoria e, portanto, "sujeita expor civis a risco crescente, tanto no Reino Unido como no exterior".

Três membros do parlamento, três lordes e 38 organizações assinaram uma carta apresentando estas opiniões. Como deveria responder a maioria esmagadora dos cidadãos britânicos que não são muçulmanos? Minha resposta é que eles deveriam rejeitar essas posições por serem não-democráticas, falsas e perigosas.

Consideremos primeiro a democracia. O país tem um governo eleito, com o direito de colocar em prática uma política externa. O argumento de que o governo deve abandonar essas políticas, não por que estejam erradas, mas por que elas poderiam provocar atrocidades por parte de uma pequena minoria de extremistas que atua sob a bandeira da religião, representa o abandono do governo democrático ao medo da violência extrema. Esse argumento só poderá encorajar os terroristas. É ilegítimo e inaceitável.

Consideremos, pois, a política em si. O que é tão ultrajante para os muçulmanos na questão da política externa sob Tony Blair? Seu governo apoiou a iniciativa de levar a paz à Bósnia, onde os muçulmanos estavam sob ataques. Ele interveio em Kosovo para proteger muçulmanos albaneses. Ele apoiou a invasão do Afeganistão, que teve como meta depor um governo opressivo que permitiu o planejamento e a preparação de ações terroristas em larga escala. Em que deveria um "muçulmano moderado" objetar em qualquer uma dessas posições?

-------------------------------------------------------------------------------- Grupos moderados deveriam repudiar a mentira segundo a qual o governo do Reino Unido estaria travando uma guerra contra muçulmanos --------------------------------------------------------------------------------

Em seguida, chegamos à "derrocada" do Iraque. Eu simpatizo com os que condenam aquela invasão como sendo contrária aos interesses nacionais do Reino Unido e que consideram sua execução incompetente. Mas por que deveriam objetar os que estão preocupados com a sorte dos muçulmanos? Saddam Hussein é um psicopata responsável pela morte de bem mais de um milhão de muçulmanos. Ele chegou perto de obter armas nucleares antes de 1990. Se tivesse conseguido, teria ameaçado todos os seus vizinhos. A alternativa à deposição do seu regime teria sido o indefinido prolongamento das sanções às custas de todos os iraquianos.

Por que então deveriam os muçulmanos preocupados com a sorte dos demais muçulmanos se opor ferozmente à sua deposição? A resposta, ao que parece, é que agora o Iraque está imerso no caos. Ele está imerso no caos, porém, porque alguns muçulmanos fizeram uso de violência extrema contra outros muçulmanos, em vez de aceitarem um governo eleito. Esta campanha não é a responsabilidade moral do governo britânico. É responsabilidade moral daqueles que pregam e praticam a violência. Por fim, há o papel do governo no conflito entre Israel, os palestinos e o Hezbollah. Eu acredito que as políticas expansionistas de sucessivos governos israelenses nos territórios conquistados em 1967 foram um erro catastrófico. Isso não quer dizer, porém, que uma solução pacífica era prontamente alcançável. Tampouco elimina o direito de Israel se defender.

Está claro, além do mais, que o governo, sob Tony Blair, tem feito o que pôde para infundir vida ao processo de paz. Sua capacidade de fazê-lo é simplesmente limitada. Ele deseja, além disso, obter um cessar-fogo no Líbano que não deixe o Hezbollah na condição de Estado poderoso dentro do frágil Estado libanês. Por que deveriam os muçulmanos se opor a este objetivo, já que a guerra, do contrário, certamente irromperá de novo?

Não menos equivocado do que estes argumentos é a crítica incessante dirigida à polícia. A inteligência que a polícia possui com freqüência será falsa e as iniciativas que tomar freqüentemente se revelarão equivocadas. Mas ela tem o dever de errar pelo lado da cautela quando há ameaças de atrocidades. É do interesse esmagador dos próprios muçulmanos britânicos que a polícia tenha êxito em evitar mais atentados contra civis inocentes. Líderes da opinião muçulmana deveriam estar enfatizando que os muçulmanos têm um dever de cooperar plenamente com a polícia, no seu próprio interesse.

O que então deveriam os líderes da opinião pública muçulmana dizer neste momento assustador da história britânica? Eles não deveriam advogar mudanças na política externa meramente para aplacar extremistas. Eles deveriam repudiar a mentira segundo a qual o governo estaria travando uma guerra contra muçulmanos. Eles devem parar de lançar críticas contra os esforços da polícia, de proteger a todos nós. Eles estão plenamente no direito de discordar das políticas do Reino Unido. Mas essas organizações erram ao apresentarem argumentos que minam a democracia e justificam falsidades. Eles deveriam pensar de novo, urgentemente.