Título: Por ideologia ou interesse, países da região apóiam Lula
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Especial, p. A14
Partidos políticos e governos da maioria países da América Latina já escolheram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como seu candidato preferido para as eleições de outubro. Por trás dessa opção, duas razões principais: o interesse em manter projetos de alcance regional em discussão com o governo brasileiro e a percepção de que Lula está no mesmo campo ideológico, num momento em que forças identificadas com a esquerda ocupam amplo espaço na região.
A preferência por Lula levou dirigentes do Partido Justicialista, que governa a Argentina, a iniciar discussão com o PT em torno de um ato em Buenos Aires de apoio ao presidente brasileiro (com a presença do próprio) e com a participação do argentino Néstor Kirchner. O venezuelano Hugo Chávez já declarou explicitamente em encontro do Mercosul seu apoio ao petista. No fim de julho, o ministro do Planejamento da Bolívia, Carlos Villegas, disse que o país não iria impor um aumento impopular no preço do gás antes de outubro, para não prejudicar Lula eleitoralmente. "Não queremos que Lula vá mal", chegou a dizer. E no Uruguai, partidos da coalizão governante formalizaram apoio à reeleição do presidente.
O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, menos conhecido no exterior, ainda não recebeu manifestações internacionais de apoio, mas aliados dizem que a candidatura conta com a simpatia dos democratas-cristãos, que integram a Concertación, aliança que governa o Chile, e do PAN mexicano (leia texto nesta página), de Felipe Calderón, que tenta ratificar sua vitória à Presidência sobre o esquerdista Andrés Manuel López Obrador.
Os benefícios eleitorais desses apoios externos tendem a ser reduzidos, dizem analistas e políticos. A vantagem para Lula seria mais simbólica, pois os apoios poderiam dar a impressão de que seu governo facilitaria um relacionamento mais próximo do Brasil com parceiros latino-americanos.
Em alguns casos, no porém, cabos eleitorais estrangeiros podem atrapalhar. No primeiro semestre, por exemplo, Chávez não só fez campanha por Ollanta Humala para a Presidência no Peru como atacou o outro candidato, o ex-presidente Alan García. O episódio se transformou num incidente diplomático, gerou debate no Peru sobre a ingerência externa e acabou ajudando a vitória de García.
"Embora alguns setores do eleitorado brasileiro simpatizem com o governo da Venezuela, o apoio de Chávez atrapalharia Lula", avalia Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-americano, da Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Já uma associação com líderes mais moderados, como Kirchner, seria, segundo Coutinho, bem visto por setores progressistas do eleitorado brasileiro. Para ele, o apoio de Kirchner seria particularmente sensível junto aos eleitores do sul do Brasil, onde os laços com o país vizinho são mais fortes.
O comando da campanha petista não descartou um ato Kirchner-Lula, segundo o secretário-geral do PT, Raul Pont, a quem os justicialistas fizeram a proposta há alguns dias. Mas, por causa da agenda de campanha, Pont vai sondar com os argentinos a possibilidade de um ato sem a presença de Lula ou então da vinda de uma comitiva de aliados de Kirchner ao Brasil.
No caso do Chile, Lula deve ter a simpatia de setores à esquerda do Partido Socialista, da presidente Michelle Bachelet, embora não se espere uma manifestação pública do governo. No México, o esquerdista PRD, de López Obrador, tem laços históricos com o PT.
No Peru, o partido de Alan García, o Apra, vê com simpatia a vitória de Lula. García chegou a dizer, em campanha eleitoral, que Lula era o seu modelo. Após a sua posse, os dois reafirmaram o compromisso com a rodovia transoceânica e a Petrobras anunciou que planeja aumentar as operações no Peru, em parceria com a PetroPeru.
Cuba é um capítulo à parte. Figuras eminentes do PT e o próprio Lula tem relação muito próxima com o ditador Fidel Castro.
Durante quase todo seu mandato, Lula insistiu no discurso da integração regional e do fortalecimento do Mercosul. Foi um entusiasta da fundação da Comunidade Sul-americana de Nações e, segundo um assessor do Itamaraty, o governo tornou uma prioridade os projetos de integração física de infra-estrutura da região (Iirsa), iniciativa criada sob a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
Além disso, Lula se envolveu, ao lado de Kirchner e Chávez, na idéia de criação de um supergasoduto, obra bilionária que cortaria a região, vista com desconfiança por especialistas. No campo da política, o presidente e o PT apoiaram Chávez durante momentos de instabilidade política na Venezuela e demonstraram mais do que simpatia com a candidatura de socialista Evo Morales. Brasília também apóia a candidatura da Venezuela a uma vaga rotativa no CS da ONU, contrariando posição dos EUA.
"Para muitos partidos que governam a América Latina, não só Lula é quem empunha a bandeira progressista como também dependerá de seu governo a continuidade de alguns projetos de integração regional", diz Coutinho.
O debate sobre a Alca é sintomática. Enquanto o atual governo ajudou a enterrar o projeto, visto com franca antipatia pelas esquerdas sul-americanas, a oposição quer retomá-lo. "Num governo Alckmin, os projetos, sem dúvida, mudariam. A Alca seria conduzida não de forma ideológica", diz o senador Jorge Bornhausen, presidente nacional do PFL, partido do candidato a vice na chapa.
Para o secretário de relações internacionais do PT, Valter Pomar, a simpatia à candidatura Lula na região indica o reconhecimento do papel que o governo desempenhou ao lado dos vizinhos. "Os apoios que vierem, serão por compreender que a presença do PT e de Lula no governo brasileiro fazem do Brasil um aliado da integração continental, das alianças Sul-Sul e do respeito à soberania de cada país", disse por e-mail ao Valor.
Mas até que ponto apoios pré-eleitorais (formais ou informais) de outros governos podem facilitar contatos diplomáticos entre Estados - ou desgatá-los, no caso da vitória do candidato adversário?
"Como Chávez se engajou na campanha de Lula, já fica mal visto. Cria embaraço", diz o deputado Antônio Carlos Panunzio (PSDB-SP), membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, citando hipótese de vitória de Alckmin.
O embaixador Luiz Felipe Lampreia, chanceler do Brasil durante o primeiro governo de FHC, também vê com grande reserva o que chama de "ativismo político" internacional dado e recebido pelo governo Lula, justamente por causa de complicações que podem surgir. Lampreia diz que, quando FHC fez campanha para a reeleição, não houve apoios políticos dessa natureza. "É possível que Carlos Menen tenha mencionado algo em prol de Fernando Henrique. Mas não houve recíproca."
No PT, o discurso oficial é que a relação política com forças de outros países não determina as prioridades da diplomacia e nem alteram as posições quando estão em jogo interesses do Brasil, diz Pomar. No entanto "quando estes países são governados por partidos amigos, é sempre melhor."
Mas a decisão de governo de Evo Morales de nacionalizar o gás e o petróleo na Bolívia, afetando interesses da Petrobras, ilustra o efeito às vezes limitados de laços ideológicos e de apoios externos. Ainda assim, contatos e interesses de Lula, Morales, Kirchner, Chávez e outros podem ser mais fluidos hoje do que seriam com Alckmin no Planalto. "Os apoios facilitam, mas problemas objetivos não são solucionados por isso", diz Coutinho.