Título: Stroessner foi o homem-forte do Brasil no Paraguai
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2006, Especial, p. A14
O ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, morto ontem em Brasília aos 93 anos, é o exemplo de um período de apoio político mútuo na América do Sul, mas a governos não democráticos. Por quase quatro décadas, o general foi o homem-forte do Brasil no Paraguai.
Quando Stroessner foi derrubado em 1989 por militares (liderados pelo seu genro), veio para o Brasil, mas queria asilo político nos EUA. Houve negociação entre o Itamaraty e o Departamento de Estado americano, que finalmente respondeu que à época os EUA tinham Ferdinand Marcos (ex-ditador filipino) e a França tinha Baby Doc (ex-ditador haitiano). O Brasil que ficasse com Stroessner. "Cada um com o seu ditador", foi a expressão usada por um dos mais experiente diplomatas brasileiros como sendo a resposta americana, ao relatar esse caso a um grupo de jornalistas no começo dos anos 90.
As relações de Stroessner com o Brasil começaram antes mesmo de ele chegar ao poder. Os primeiros contatos foram estabelecidos quando estudou na Escola de Alto Comando do Exército, no Rio de Janeiro. Como presidente, buscou uma aproximação com o país com o objetivo de retirar o Paraguai da esfera de influência da Argentina, diz o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira. Essa influência era econômica e política e vinha desde o início do século. "O Paraguai dependia, por exemplo, do porto de Buenos Aires para escoar suas exportações. Com a conexão com o Brasil, passou a usar portos brasileiros, como o de Paranaguá."
O esforço do general em enfatizar os laços com o Brasil era tanto que assustava o governo de Juscelino Kubitschek, que temia abalar as relações com a Argentina fossem estremecidas. "Stroessener pedia ao Brasil que enviasse tropas e aviões para desfilar ao lados de tropas paraguaias em Assunção", relata Moniz Bandeira.
As relações tiveram uma breve fase de tensão em meio às negociações de Itaipu. O Paraguai reivindicava uma faixa de terra na fronteira. A disputa foi resolvida com o alagamento da área pelo lago de hidrelétrica. Como o Paraguai à época não pagou sua parte na usina, deve hoje ao Brasil cerca de US$ 19 bilhões, duas vezes o seu PIB.
Stroessner é daqueles personagens sobre os quais pesa uma longa lista de adjetivos pouco abonadores. De 1954 a 1989, ele liderou um regime violento, repressor e corrupto. Ajudou o Paraguai a se manter como o país mais pobre da região. Na América do Sul, nenhum governante ficou no poder por tanto tempo no Século XX.
O general controlava a imprensa, prendia jornalistas e perseguia opositores. Entre os anos 70 e 80, o Paraguai participou ativamente da Operação Condor, rede de governos militares que, apoiados pelos EUA, caçavam esquerdistas nas América do Sul. Cerca de 1.500 parentes das vítimas da ditadura recebem compensações do governo.
Sob Stroessener, o Paraguai também acolheu criminosos nazistas, incluindo o médico Josef Mengele, que viveu livremente no país, antes de se mudar para o Brasil. O ditador da Nicarágua Anastasio Somoza também viveu sob sua proteção, mas acabou assassinado em Assunção. "Stroessner não tinha nenhum problema em dar refúgio a pessoas com sangue nas mãos", diz Aaron Breitabart, do Instituto Simon Wiesenthal.
Por anos, a Justiça paraguaia tentou processar Stroessner, mas o asilo político no Brasil impedia sua extradição. Até hoje há ressentimento no Paraguai com o apoio do Brasil ao seu homem-forte no país.