Título: Cresce o cortejado clube dos super-ricos
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Fonte: Valor Econômico, 21/08/2006, Finanças, p. C3

No 11º e 12º andares do private bank do JP Morgan Chase, com vista para a Park Avenue de Manhattan, David Rockefeller observa sua coleção particular de arte moderna. Pinturas de Marylin Monroe feitas por Andy Warhol estão penduradas nas paredes; a arma disparada por Aaron Burr e que matou Alexander Hamilton, está dentro de uma caixa de vidro, próxima de "objets d'art" da África. Aqui ficam as salas de reuniões do private bank, para as quais apenas os clientes mais estimados são convidados. Aqueles que o são, recebem tratamento especial dos banqueiros, eles próprios também considerados como parte de uma elite.

O objetivo dos banqueiros que cuidam dos clientes especiais é agradar: seja oferecendo conselhos aos clientes em relação a investimentos complicados, seja oferecendo dicas de "leitura de verão" - as deste ano incluem o livro de Elizabeth Kolbert sobre as mudanças climáticas. A atenção é recompensada. De San Francisco a Xangai, da Suíça a Cingapura, as pessoas simplesmente ricas estão ficando super-ricas. A atividade de private banking está florescendo.

Foi por uma dessas razões que o banco suíço UBS anunciou, em 15 de agosto, um crescimento de quase 50% nos lucros do segundo trimestre. O maior private bank do mundo em termos de lucros, captou 31,2 bilhões de francos suíços (US$ 25,2 bilhões) em dinheiro novo líquido junto aos clientes ricos no trimestre, um crescimento anualizado de 12%. O Crédit Suisse, outro banco suíço, também anunciou captações recordes de dinheiro de private banking, e está ampliando suas atividades no Oriente Médio e Cingapura.

Outros grandes bancos internacionais, incluindo o JP Morgan Chase e o HSBC, estão investindo muito na administração de fortunas. O Goldman Sachs, que atrai a maior parte das atenções pelo seu sucesso no mundo mais traiçoeiro das negociações de títulos, também vem se esforçando nessa área, com um rápido crescimento na Europa e Ásia. Na Europa ele está planejando mais que dobrar seus números via contratação de várias centenas de private bankers nos próximos cinco anos - cortejando clientes muito ricos, aqueles com 10 milhões de libras (US$ 13 milhões) ou mais para investir.

Um dos motivos dessa animação é o aumento do número de plutocratas. Segundo o "World Wealth Report", publicado anualmente pela consultoria Capgemini e pelo banco de investimento Merrill Lynch, o número de indivíduos ricos - aqueles com mais de US$ 1 milhão em ativos financeiros - cresceu 20% nos últimos cinco anos.

Muitos deles são de economias emergentes como a China, Índia e Oriente Médio e, particularmente nos Estados Unidos e na Ásia, têm uma probabilidade maior de serem milionários (ou bilionários) que se fizeram sozinhos, e não pessoas que herdam fortunas. A maneira dessas pessoas lideram com o dinheiro também é mais empreendedora. Ao invés de "estacioná-lo" em bônus e imóveis, elas querem cada vez mais que ele seja administrado de maneira ativa. Para isso, elas se deparam com uma variedade de novas (e voláteis) oportunidades de investimentos, de fundos de hedge e private equity (investimentos em participações) a derivativos e moedas.

Mais ativos para cuidar significa mais honorários administrativos para os bancos, justamente o tipo de honorário recorrente e estável que os acionistas mais anseiam. Christopher Wheeler, do Bear Stearns, observa que as ações do UBS e do Merrill Lynch - que conseguem um terço ou mais de seus lucros antes dos impostos com a administração de fortunas - estão sendo negociadas a cerca de 11 vezes os lucros previstos para 2007, uma classificação premium. Wheeler avalia que a área de private banking é a que mais cresce entre os serviços financeiros, com uma taxa anual composta de crescimento de 24% entre 2002 e 2005.

Como seria de se esperar, os grandes bancos afirmam que o tamanho ajuda: eles podem oferecer redes globais aos seus clientes abastados, além de mais produtos. Bruce Holley, da Boston Consulting Group, acredita que os benefícios de escala provavelmente são exagerados. Hoje, todos os private banks operam um modelo de "arquitetura aberta", o que significa, em tese, que eles investem o dinheiro de seus clientes nos melhores ativos disponíveis - sejam estes vendidos por eles ou por bancos concorrentes.

Independente dos méritos do tamanho, a consolidação parece inevitável. Segundo o Bear Stearns, os dez maiores private banks detêm menos de um quinto do mercado. O UBS, apesar de todo o seu poder, possui apenas 3%. Somente na Suíça existem 350 private banks. Ray Soudah, da Millenium Associates, um pequeno banco de investimento suíço, avalia que nos próximos 24 meses muitos irão se fundir ou terem o controle tomado. Nos últimos 12 meses alguns já tiveram.

Para os bancos que estão descendo no mercado, onde os maiores números estão, o truque será ganhar escala sem perder o toque pessoal. A habilidade não é só saber os nomes dos netos favoritos dos clientes. Cada vez mais é preciso sofisticação financeira. Por exemplo, a Capgemini e o Merrill Lynch observam que os investimentos alternativos responderam por 20% dos ativos totais em 2005, comparado a menos de 10% em 2002. O crescimento está ocorrendo às custas das reservas confiáveis de dinheiro velho, como os imóveis e os títulos de renda fixa.

Ainda não se sabe se esses novos investimentos ajudarão a espalhar os riscos para os ricos (nas turbulências que atingiram os mercados de ações em maio e junho, não ajudaram: os fundos de hedge como um todo tiveram um desempenho fraco). Mas eles são uma aposta certa para os private banks. Além dos honorários administrativos, às vezes há comissões de negociações e quanto mais extravagante a estratégia, mais dessas receitas entram.

Mas o dinheiro não está seguindo todo o mesmo caminho. Para alguns, o futuro é nebuloso. A Suíça, que a velha tradição do sigilo bancário transformou em lar de um terço dos ativos de private banking offshore do mundo, não pode descansar sobre os louros da glória. Doug Grip, diretor internacional de administração de fortunas privadas do Goldman Sachs, acredita que a harmonização tributária na União Européia, por exemplo, significa que mais cidadãos estão trazendo dinheiro para a região, sugerindo que o sigilo bancário não é hoje tão importante quanto foi no passado.

No fim das contas, o maior perigo é que o setor se torne vítima de seu próprio sucesso. Com os bancos conseguindo lucros mais gordos e estáveis, mais deles entrarão no negócio. Por definição, porém, a atividade de private banking não é um mercado de massa e as margens poderão encolher. Centros emergentes como Cingapura e Dubai já estão afetando os honorários.

Por outro lado, o crescimento do setor - e a impressão de que ele está se tornando mais um jogo de sofisticação e sigilo financeiros - o está tornando mais respeitável. Enquanto os ricos continuarem ficando mais ricos, os melhores private banks também continuarão enriquecendo.