Título: É esse o caminho?
Autor: Safatle,Claudia
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2012, Especial, p. F1
Para enfrentar os efeitos da crise global, o governo armou a ofensiva em várias frentes. Reduziu fortemente a taxa básica de juros, concedeu incentivos fiscais para alguns setores da indústria atingidos pela competição externa, desonerou a folha de pagamentos de outros setores, impôs restrições ao mercado de derivativos cambiais e taxou com 6% de IOF os empréstimos externos com prazo de até cinco anos.
Entre a estridência da "guerra cambial" e do "tsunami monetário", o governo tenta controlar o fluxo de capitais, defender o país de uma suposta desindustrialização, conter a inflação, reduzir os juros e retomar a trilha do crescimento.
Será esse o melhor caminho para a economia brasileira? Para comemorar os doze anos de sua criação, o Valor formulou doze perguntas específicas a especialistas nas diversas áreas da economia e da política. As respostas dos articulistas estão nas doze páginas deste tradicional suplemento de aniversário do Valor, o "Rumos da Economia".
A pergunta que sintetiza uma das maiores preocupações da indústria e do governo, hoje, é "Como conviver com a valorização do real que se apresenta como tendência de longo prazo?" Começa a ficar claro que não basta reduzir a taxa de juros para conter a valorização do real. Altos, os juros podem ser responsáveis por uma parte, mas não explicam toda a apreciação da moeda. As condições externas, os preços das commodities e os melhores fundamentos da economia brasileira também respondem pela força do real.
Cabe ao Executivo, portanto, arregaçar as mangas e trabalhar em questões estruturais que afetam a competitividade da indústria local, da alta carga tributária às mazelas da infraestrutura, dentre muitas outras. As fraturas que uma boa depreciação cambial encobriria estão expostas.
Forçar a desvalorização com a sustentação de um piso, como tem feito o Banco Central, vai destruir os ganhos reais de salário e produzir mais inflação.
Os juros básicos estão em queda desde agosto de 2011. Eram de 12,5%, estão em 9% ao ano e podem chegar à casa dos 8% este ano. O Comitê de Política Monetária (Copom) aproveitou a crise externa e o ambiente desinflacionário da economia mundial para cortar a Selic.
A presidente Dilma Rousseff fez da normalização dos juros - um problema que se arrasta desde meados dos anos 90 - sua principal missão na área econômica. "Os juros são o nosso Plano Real", resumiu uma fonte do Palácio do Planalto ao Valor, recentemente. O mercado suspeita da influência de Dilma no Copom. O BC segue, entre trancos e barrancos, cavando novos espaços para cortar a Selic sem comprometer a meta de inflação e joga uma polêmica nessa disputa: a redução da taxa neutra de juros.
Uma pesquisa de taxas ex-ante (expectativa de juros doze meses à frente) e ex-post (taxa efetiva) mostra que o mercado tem superestimado sistematicamente os juros desde dezembro de 2007. Em dezembro de 2010, por exemplo, a expectativa era de uma taxa real de 6,13% para dezembro de 2011. A efetiva foi de 4,8%.
A pressão crescente pela redução dos spreads, medidos pela diferença entre as taxas de captação e de aplicação do sistema financeiro, é o outro lado da mesma questão. O uso dos bancos públicos como instrumento de persuasão para que os bancos privados reduzam suas margens de lucro e aumentem o crédito tem limite. Quando não tem, a conta cai sobre o contribuinte.
Desafios não faltam. O crescimento, até então sustentado pelo aumento do consumo, precisa de correspondência nos investimentos, sem o que o PIB seguirá como um eletrocardiograma, entre picos e vales. A educação oferecida aos brasileiros é lamentável, mas o debate fácil se confina em mais e mais verbas em detrimento da eficiência do gasto e foco na qualidade.
Na política, a corrupção volta à cena às vésperas do julgamento dos réus do "mensalão", sem que se tenha no horizonte a solução para os canais que a alimentam. O que melhor traduz esse desafio é a execução do orçamento da União. É a liberação de verbas para as emendas parlamentares que sustenta a base de apoio do governo.