Título: CPI ouve delegado sobre investigações contra Cachoeira
Autor: Exman , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2012, Política, p. A8

A CPI do Cachoeira realizou ontem seu primeiro depoimento. O delegado da Polícia Federal (PF) Raul Alexandre Marques Souza, responsável pela Operação Vegas, falou em uma sessão fechada sobre as investigações que levaram à prisão o empresário Carlos Augusto Ramos. A decisão da comissão, por 17 votos a 11, de impedir o acesso ao depoimento do delegado alimentou a disputa entre a base governista e a oposição. Enquanto o PSDB reiterou que lutará pelo fim do sigilo de Justiça dos inquéritos que fundamentaram a criação da CPI, o PT e seus aliados afirmaram que as falas do policial reforçam as suspeitas de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria beneficiado o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO).

Integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que presenciaram o depoimento disseram que a fala do delegado reforçou os indícios de envolvimento de Demóstenes, dos deputados Carlos Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) e da construtora Delta com o grupo de Cachoeira. O empresário, conhecido como Carlinhos Cachoeira, foi preso pela PF sob acusação de chefiar um suposto esquema ilegal de jogos de azar com conexões no setor público e na iniciativa privada.

Durante a sessão, o líder do PSDB, senador Alvaro Dias (PR), disse que o partido quer convencer o presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), a advogar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo fim do sigilo de justiça dos inquéritos enviados à comissão. A oposição acusa a base aliada de tentar evitar que as investigações cheguem ao governo federal e a governadores de partidos governistas. "A quem interessa agora o sigilo? Se o presidente não acolher esse requerimento, vamos entrar com um mandado de segurança no STF", afirmou o tucano.

Já petistas e integrantes da base aliada relataram que o depoimento do delegado da PF demonstrou que a PGR teria atuado para frear investigações que poderiam atingir o senador Demóstenes Torres, que antes do escândalo era filiado ao DEM e figurava como um dos mais atuantes parlamentares da oposição. O delegado teria dito que a decisão de não levar adiante as apurações contra Demóstenes, em um primeiro momento, teria sido da subprocuradora da República Cláudia Sampaio Marques - mulher do procurador-geral da República, Roberto Gurgel - que atua em casos contra autoridades com foro privilegiado. Agora, pode crescer a pressão para que Gurgel seja convocado pela CPI. Autoridades do Ministério Público dizem, porém, que o objetivo de Gurgel foi o de aprofundar as investigações. Elas acreditam que o PT tenta fragilizar a PGR antes do julgamento do mensalão, no STF.

O delegado Raul Souza preparou um depoimento de três páginas que foram lidas durante a sessão. Em seguida, os integrantes da comissão fizeram perguntas.

Souza atua como chefe do Núcleo de Inteligência Policial na Superintendência da PF em Goiás. Ele explicou à CPI que a investigação decorreu de uma operação anterior da PF para apreensão de máquinas caça-níquel em Anápolis (GO). Mas, na ocasião, os policiais se surpreenderam ao chegar ao local da apreensão: as máquinas haviam sido recolhidas. O sumiço foi considerado indício de vazamento de informações dentro da PF - deflagrando o trabalho de contra-inteligência que resultou na operação Vegas, destinada a identificar os responsáveis pelo vazamento e pela quadrilha de jogos de azar.

Um dos pontos-chave da operação foi um depoimento do delegado da PF, Talles Machado. Ele procurou a delegacia regional da PF para contar que havia sido abordado, durante uma festa, por Rogério Diniz - um dos principais assessores de Cachoeira, que, por coincidência, o delegado conhecia da época de escola. Na ocasião, Rogério teria tentado cooptar o delegado para que colaborasse com a quadrilha, dizendo que Cachoeira estaria disposto a pagar até R$ 15 mil mensais por isso.

Machado, porém, repassou as informações à PF, que obteve motivo para grampear os telefones celulares e residenciais de Rogério e Cachoeira. Em um primeiro momento, o resultado dos grampos foi pífio. Nas ligações interceptadas, os investigados não trocavam qualquer tipo de informação relevante para o inquérito. Depois descobriu-se que o grupo tinha um pacto de tratar de assuntos sigilosos exclusivamente pelos aparelhos Nextel comprados nos Estados Unidos. Como os números não estavam registrados no Brasil, acreditavam que os aparelhos não poderiam ser grampeados.

A artimanha durou até o dia em que, aflito para falar com Rogério, Cachoeira usou seu Nextel para ligar para o celular comum do assessor. A partir daí, a PF identificou a chamada vinda do Nextel de Cachoeira e, pouco a pouco, foi chegando à rede de ligações em que os investigados trocavam informações sobre a atuação da suposta quadrilha. Embora os telefones usem a rede de Miami, as ligações precisam das antenas brasileiras para transmitir a comunicação, o que possibilitou o grampo.

A PF escalou três agentes que se revezaram nas escutas do grupo. Alguns dias, Cachoeira começava a fazer ligações às 6h. As escutas envolvendo autoridades - consideradas "alvos sensíveis" - foram encaminhadas ao Ministério Público e à Justiça, uma vez que não diziam respeito ao objeto central da operação, ou seja, o jogo ilegal e o vazamento de informações por policiais.