Título: Revisitando a questão do "spread" bancário
Autor: Loyola, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2006, Opinião, p. A13

A divulgação pelo BIS de estudo comparativo internacional sobre "spreads" bancários recolocou o tema na grande imprensa diária brasileira, já que o Brasil foi apontado pela instituição da Basiléia como sendo o "campeão mundial do spread". O assunto é sem dúvida relevante, mas a maneira ligeira pela qual, na maioria das vezes, está sendo discutido pode acarretar incompreensão generalizada das causas do elevado custo do crédito no Brasil, dificultando o desenho e a implementação de políticas públicas adequadas para lidar com o problema.

Não resta dúvida que o "spread" bancário médio no Brasil é elevado tanto em termos absolutos quanto comparativamente a outros países emergentes. As causas desse fenômeno são muitas e a maioria não comporta soluções simples e de rápida implementação. Ao contrário, trata-se tipicamente de um problema que exige a convergência de diversas políticas públicas durante um período razoável de tempo.

A impaciência com esse problema vem gerando simplificações perigosas tanto no seu diagnóstico quanto na prescrição de remédios. A manifestação mais grave e bizarra dessa tendência foi, no passado recente, a inserção na Constituição de 1988 de dispositivo tabelando os juros reais no Brasil, iniciativa inédita em escala planetária que, felizmente, já foi apagada do texto constitucional. Parece não haver hoje mais o risco da repetição de bobagens da espécie, mas percebe-se implicitamente em certas análises e comentários disseminados pela imprensa que o "espírito de 1988" ainda continua vivo nas mentes de muita gente.

-------------------------------------------------------------------------------- A pressa em apontar a ganância dos bancos brasileiros como uma das causas do elevado "spread" leva a equívocos, como comparar rentabilidade média --------------------------------------------------------------------------------

Graças principalmente a um projeto iniciado pelo Banco Central, em 1999, conhece-se hoje razoavelmente as causas dos elevados "spreads" bancários praticados no segmento livre do mercado de crédito brasileiro. Na última avaliação publicada do projeto sobre "spread" bancário, o BC identificou que seus principais componentes eram os depósitos compulsórios e o Fundo Garantidor de Crédito (5,3% do total), a cunha tributária (20,8%), os custos com inadimplência (20,9%), os custos administrativos (26,3%) e o chamado "resíduo do banco" (27,6%), que reflete, "grosso modo", o resultado da instituição bancária.

Vê-se daí que, apesar das limitações metodológicas dos cálculos do BC - que se limita a um segmento específico do mercado de crédito brasileiro - a origem do problema dos elevados "spreads" permeia vários aspectos macro e microeconômicos, a maioria dos quais enraizados profundamente no ambiente operacional dos bancos no mercado doméstico. De qualquer modo, de forma simplificada, pode-se dizer que a redução dos "spreads" dependeria da diminuição dos recolhimentos compulsórios e da cunha tributária incidente sobre a intermediação financeira, da queda dos custos administrativos - de origem exógena ou endógena às firmas bancárias - e à diminuição do chamado "resíduo dos bancos", via aumento do grau de competição nesse mercado e eliminação do direcionamento obrigatório do crédito.

Quando se chega, porém, à apuração do "spread" para fins de comparações internacionais, redobrada cautela é necessária, tendo em vista não apenas as especificidades do mercado bancário brasileiro, como também à própria imprecisão terminológica que cerca a expressão "spread" (ou margem), o que enseja a coexistência de várias metodologias para o seu cálculo. Em recente trabalho, dois economistas do BC, Márcio Nakane e Ana Carla Abrão Costa, apontaram os equívocos que têm levado muitos analistas a superestimar o problema do "spread" no Brasil e a timbrar o país como recordista mundial nesse particular. Segundo esses autores, o Brasil não é um "ponto fora da curva" na comparação internacional. O nosso indevido título mundial decorre de erros na comparação de números obtidos a partir de metodologias distintas. No caso brasileiro, o "spread" divulgado pelo BC é calculado levando em conta todas as operações de empréstimos da carteira livre, independentemente do risco de crédito, enquanto que, em outros países, se considera geralmente apenas as taxas praticadas nas operações com empresas de primeira linha, que são naturalmente as menores. Ademais, no exterior, não se verifica a segmentação do crédito bancário entre os mercados "livre" e "tabelado", um dos fatores que levam à majoração das taxas de juros cobradas no segmento "livre" em nosso país.

Portanto, o estudo do respeitável BIS deveria ter sido acolhido com maior cautela, posto que abusa de comparações internacionais entre grandezas de naturezas distintas. Não se trata, vale insistir, de ignorar a necessidade de políticas públicas para a redução do "spread" bancário. O que se deve evitar é que tais comparações deságüem em conclusões apressadas, tais como as que ignoram o papel negativo desempenhado pela existência de direcionamento obrigatório de crédito (financiamentos habitacionais e crédito rural, por exemplo) e as que superestimam o problema da "inexistência" de competição no mercado bancário brasileiro.

Aliás, a pressa em apontar a ganância dos bancos brasileiros como uma das causas do elevado "spread" leva a equívocos tais como a comparação nua e crua entre as rentabilidades médias sobre o patrimônio líquido obtidas por instituições bancárias de países, cujos bancos centrais praticam taxas de juros básicas distintas. O jornal "Estado de São Paulo" (13/08/2006), por exemplo, publicou tabela mostrando a rentabilidade média do patrimônio dos bancos em oito países, entre os quais o Brasil, da qual concluiu que "só na Suíça os bancos têm rentabilidade maior que no Brasil". Ora, considerando-se o conceito de uso alternativo do dinheiro dos acionistas, observa-se que a rentabilidade dos bancos brasileiros em excesso à taxa básica da economia é a menor entre os oito países apontados e não a maior. No Brasil, por exemplo, os bancos auferiram uma rentabilidade de 4,67% ao ano sobre a taxa Selic, enquanto nos EUA os bancos ganharam em média 8,96% ao ano sobre a taxa dos "FED funds".