Título: A Seae em época de SuperCade
Autor: Alkmin. J. Schmidt ,Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2012, Opinião, p. A14

A presidente Dilma sancionou a Nova Lei Antitruste nº 12.529 em 01/12/11, que entrará em vigor em junho, substituindo a Lei nº 8.884 de 1994.

As alterações mais relevantes na legislação concernem: 1) à estrutura do SuperCade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica); 2) aos valores para notificação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC); 3) aos critérios para aplicação de sanções por condutas anticompetitivas; e 4) à análise prévia de atos de concentração.

Apesar de a presidente ter vetado o dispositivo que limitava em 330 dias (240 dias prorrogáveis por mais 90) a análise e julgamento pelo SuperCade, o procurador-geral do Cade estabeleceu que as operações não julgadas em até 330 dias serão automaticamente aprovadas pelo Cade.

De acordo com a nova lei, a secretaria terá um papel que pode levá-la a perder a força na defesa da concorrência

Se por um lado o veto criava incertezas para as partes colocando a nova lei em "cheque", por outro esse poderia evitar manipulações para que o caso fosse aprovado por decurso de prazo (como agora pode ocorrer) ou reprovação infundada pelo SuperCade. Muito se pode discutir, assim, com relação às mudanças ocorridas na lei. Há uma, em particular, que merece atenção por ainda não ter sido explorada, que diz respeito à nova atuação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae).

O SuperCade reunirá as atividades do SBDC (Cade, Seae e Secretaria de Direito Econômico - SDE), incorporará institucionalmente o departamento de concorrência da SDE e deixará a Seae como parte do SBDC e responsável pela advocacia da concorrência. Neste novo desenho a Seae perde seu poder instrutório - tarefa obrigatória por lei, ainda que passiva - e ganha outra, pró-ativa, ainda que sem obrigação. Com isso dois problemas surgem: o primeiro tange a falta de obrigatoriedade e o segundo a provável extinção da Seae.

Vale explicar que advogar pela concorrência é atuar em prol da concorrência sem que exista denúncia ou fusão e aquisição. É argumentar com a Receita Federal, Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/Mdic), Banco Central (BC), agências reguladoras sobre qualquer medida que iniba a concorrência (tributação, subsídios, regulações, etc.). Mas dada a falta de obrigatoriedade, é de se esperar que a Seae aja de acordo com a personalidade de seu secretário, e não por atribuições institucionais formais. Se ele for do tipo "descansado", nada se esperará desta Seae. Se, por outro lado, ele for atuante, muita pró-atividade pode ocorrer, o que é positivo para a sociedade.

Nesta segunda hipótese, porém, há que considerar que o secretário é um subordinado do Ministério da Fazenda (MF), antes de fazer parte do SBDC. Se houver diretrizes desenvolvimentistas e/ou de controle de preços, como ele advogará pela concorrência? Será que ele "brigaria" com o ministro da Fazenda? Para ilustrar a saia justa que ele se encontraria se já estivesse valendo a lei, no dia 20/12/11, por exemplo, o ministro Mantega ampliou a lista de produtos com medidas protecionistas no âmbito do Mercosul. E aí, como ele se posicionaria? Talvez tivesse que renunciar ao cargo, o que não seria uma solução nem para o SBDC nem para a sociedade.

Concernente ao segundo ponto, a perda de poder da Seae poderá culminar com a perda de bons técnicos, seja pela migração para o SuperCade, seja pela falta de estímulo em trabalhar lá. E se houver esvaziamento da Seae, esta provavelmente extinguirá, podendo ter suas tarefas fundidas com as de outras secretarias da Fazenda. E se isso acontecer, sem o exercício diário do pensamento antitruste na Fazenda (que é mantido hoje pela Seae ser o principal órgão instrutor nos atos de concentração econômica), esse ministério, aos poucos, deixará de ter servidores "respirando" o sentido de defender os direitos difusos dos consumidores.

O problema é que a Fazenda, não o Ministério da Justiça, é que tem assento em importantes foros interministeriais, como é o caso daquelas que ocorrem no âmbito da defesa comercial no Mdic. Como na maioria das vezes as solicitações de proteção pela indústria partem de setores oligopolizados ou monopolizados, só um olhar antitruste pode contra argumentar sob a ótica do bem-estar do consumidor, uma vez que a lógica da instrução destes casos foca no bem-estar do produtor nacional. Assim, sem aqueles servidores da "antiga" Seae, a presença do Ministério da Fazenda pode não ser valiosa para o efetivo papel de advogado da concorrência.

Em agosto, o Palácio do Planalto indicará o novo presidente do SuperCade. Ficará para ele, conjuntamente com o ministro da Fazenda e principalmente com o secretário da Seae o importante desafio de manter a chama dos técnicos da Seae acesa, para que estes atuem em prol da concorrência, ainda que não obrigados por lei e ainda que a Seae possa ser extinta.

A nova lei é necessária. E como seu objetivo precípuo é adotar um sistema antitruste no Brasil cônsono com as melhores práticas internacionais, a unificação dos órgãos faz parte. O problema é que, com o novo papel da Seae, a Fazenda perde a força que hoje tem. E sendo ele estratégico na defesa dos direitos difusos dos consumidores, todos os consumidores brasileiros deveriam estar preocupados, pois estarão perdendo um forte aliado na preservação da defesa da concorrência no Brasil.

Cristiane Alkmin J. Schmidt é doutora em Economia pela EPGE/FGV, ex-secretária-adjunta da Seae/Ministério da Fazenda e professora da FGV.