Título: Aumento do mínimo e cesta básica mais barata sustentam base de Lula no campo
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Fonte: Valor Econômico, 21/08/2006, Especial, p. A14

Os bolsões de pobreza nas regiões do agronegócio devem servir de amortecedor eleitoral para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva este ano, apesar da crise no setor de grãos e do desgaste político do PT em Ribeirão Preto (SP), centro da maior região canavieira do país. No Mato Grosso do Sul, quem conseguiu permanecer empregado beneficiou-se do aumento do salário mínimo e da cesta básica mais barata. Na região da cana, vive-se um ciclo de geração de empregos. E o número de beneficiados com a Bolsa Família é alto nos dois casos.

"Na minha clientela, o PT perde de dez. O agricultor está mal, mas o salário mínimo subiu e as coisas estão mais baratas. Minha empregada ganha salário mínimo, mas comprou uma bicicleta em 16 prestações. Pergunta se ela não está contente", comenta Dirceu Sonni, gerente de uma loja de sementes, primeira de uma seqüência de estabelecimentos comerciais com estacionamentos vazios na entrada de Dourados (MS), cidade com 180 mil habitantes no sul do Mato Grosso do Sul.

A soja fez a euforia de Dourados nos últimos dez anos, até o começo da crise, em 2004. "Soube de tratores sendo entregues sem pneus, porque a indústria não tinha condições de cumprir as encomendas. Pagava-se R$ 500 mil por colheitadeira e não se questionava, os preços foram lá em cima. Quando a saca baixou de R$ 50 para R$ 20, o produtor cortou novos investimentos", narra Flavio Mazzaro, gerente geral do Banco do Brasil em Campo Mourão (PR), na fase da subida da soja e hoje superintendente do BB em Dourados.

"Reduzimos nossa força de trabalho de 80 para 56 funcionários, trouxemos a empresa para um novo patamar. A conta a receber está altíssima", confirma Cristiano Campos, diretor da revendedora de tratores e colheitadeiras New Holland na cidade. "A crise só não é pior porque com o plano de safra o governo permitiu a prorrogação das dívidas. O estoque de débitos é muito grande. Estamos fazendo de conta que vamos pagar e os credores fazem de conta que vão receber", diz o produtor Elvio Rodrigues, de Maracaju, município vizinho à Dourados.

Mas a vitalidade da soja, paradoxalmente, fez com que a pobreza crescesse na região. Dos 900 quilômetros de ruas em Dourados, 400 não tem calçamento. A população da cidade cresce 4% ao ano. No contingente de 11,5 mil índios bororos, a falta de perspectiva leva ao desespero: no dia 10, uma índia bororo com apenas onze anos enforcou-se na aldeia.

Das cerca de 50 mil famílias locais, 8,5 mil recebem o Bolsa Família e 6,5 mil programas de renda do governo estadual. É nesta faixa que o PT, que governa o Estado e o município, busca votos para Lula. "A pujança atraiu gente pobre e gerou demandas sociais onde não havia. Os políticos tradicionais não souberam e não sabem trabalhar este aspecto", diz o prefeito petista Laerte Tetila.

No epicentro do universo da cana, em Sertãozinho, a 350 km de São Paulo, vive-se o espetáculo do crescimento: o nível de emprego na indústria de máquinas para usinas aumentou 24,5% somente este ano, segundo dados do Ciesp. A arrecadação da prefeitura, desde 2000, passou de R$ 57 milhões para R$ 125 milhões e a base de metalúrgicos dobrou de 6 mil para 12 mil em dois anos. Cidade industrial, Sertãozinho já deu 60% dos seus votos para Lula em 2002. "Ele deve ganhar novamente", admite o prefeito tucano José Alberto Gimenez.

O preço alto da cana suporta o aumento dos custos e o encarecimento da mão de obra. "O piso de metalúrgico em São Paulo é R$ 700 e aqui em Sertãozinho a remuneração média é de R$ 1,6 mil mensais", diz o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Ribeirão Preto, Sertãozinho e Região, Valdir Parão, vinculado à Força Sindical.

Rodando mais 20 km, está Barrinha, uma cidade com 30 mil habitantes, dormitório de cortadores de cana. Em um padrão muito mais modesto que a vizinha, a cidade também dá mostras de vitalidade. Em meio às casas sem reboco e ruas com asfalto destruído, abriram nos últimos quatro anos três pontos de venda de eletrodomésticos e móveis, uma agência do Banco do Brasil e outra do Bradesco e duas lojas de material de construção. Às 19h de uma terça-feira, todo o comércio estava aberto.

A maior possibilidade de votos para Geraldo Alckmin (PSDB) está no grande centro urbano da região, em Ribeirão Preto (SP), onde predomina o setor de serviços e uma próspera classe média que independe da ação do governo para tocar a vida. O PT está desgastado na cidade desde a renúncia do então prefeito Antonio Palocci ao cargo, para assumir a Pasta da Fazenda. Seu sucessor herdou uma situação de crise e sequer foi ao segundo turno na eleição municipal de 2004, ganha pelo PSDB. Palocci mantém um comitê em Ribeirão Preto e já fez um jantar para arrecadar contribuições, mas é uma figura com alto índice de rejeição na cidade, mesmo antes da onda de denúncias que o abateu. O ocaso do ex-ministro coincide também com as dificuldades do presidente de arregimentar empresários sucroalcooleiros, setor em que o ex-ministro nadava de braçada em 2006. (CF)