Título: Ministro do STF livra governo e bancos de ações contra Plano Real
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Finanças, p. C1

O ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence suspendeu todas as ações judiciais que contestam as regras de conversão do Plano Real.

A decisão é uma vitória dos bancos e do governo, que poderiam ser condenados a pagar dezenas de bilhões de reais caso a Justiça concedesse liminares para rever os índices aplicados na conversão da moeda. Apenas para o Tesouro Nacional o prejuízo seria de R$ 26,5 bilhões.

Nos bancos, a conta poderia atingir números maiores. As instituições financeiras não sabem quantas ações contestam a correção dos contratos no momentos da conversão para o Real, mas a estimativa é que sejam milhares de processos e que, no total, resultem em dezenas de bilhões a serem pagos a correntistas e investidores caso o Judiciário determinasse a revisão dos índices utilizados na época.

Entre julho e agosto de 1994, o governo usou o IGP-2 para corrigir contratos, títulos públicos e aplicações em CDBs. Há milhares de ações pedindo a aplicação do IGP-M. A diferença entre esses índices é que levaria o governo e os bancos a pagar a diferença de bilhões. As empresas também poderiam pedir a revisão de seus tributos, corrigidos pelo IGP-2.

"Seria um novo esqueleto de dimensões imprevisíveis", afirmou Pertence. O ministro concedeu força especial à sua decisão. Ordenou que ela tenha efeito imediato contra todas as ações que tramitam na Justiça - o chamada efeito "erga omnes", ou "contra todos".

A decisão de Pertence foi tomada numa ação movida pela Confederação do Sistema Financeiro (Consif). Com o apoio do governo, a Consif pediu ao STF que suspenda de uma só vez a onda de decisões de juízes de 1ª e de 2ª instância contra a Lei do Real (Lei nº 8.880). O artigo 38 dessa lei determinou a correção pelo IGP-2.

"Sem essa liminar, havia o risco de uma enxurrada de decisões contrárias ao Plano Real", disse Alexandre Wald, advogado da Consif. "Todas as dívidas que foram convertidas para o Real, conforme determinou a lei na época, seriam rediscutidas."

A diferença entre os índices poderia gerar uma distorção de 50% entre os valores pagos em 1994 e os atuais. "Isso poderia causar um colapso no sistema financeiro", explicou Wald.

Também havia o risco de a Justiça rever toda a política que pôs fim à inflação. O artigo 38 determinou a forma de conversão das dívidas na época da implementação do Plano Real. A revisão desses critérios levaria a uma revisão de todos os pagamentos feitos na época.

A decisão também é importante, segundo o advogado, ao evitar que juízes de instâncias inferiores dêem decisões diferentes sobre um mesmo assunto. Como Pertence deu o chamada efeito "erga omnes", não é mais possível que um juiz mande corrigir pelo IGP-M e outro mantenha o IGP-2, o que iria criar uma confusão sem precedentes no mercado, beneficiando alguns correntistas e prejudicando outros. "A decisão evita 'guerra' nas instâncias inferiores", afirmou Wald.

Sepúlveda Pertence considerou o assunto tão importante que tomou a decisão, na tarde de ontem, antes de o processo entrar na pauta de julgamentos do Supremo, onde seria analisado pelos 11 ministros da Corte.

No processo, chama a atenção um estudo feito pelo ex-secretário do Tesouro e atual vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Joaquim Levy. No documento, feito quando ele estava no governo, Levy afirmou que a diferença entre o IGP-M e o IGP-2, em 1994, foi de 39%. O estoque da dívida indexada ao IGP-M, na época de instauração do Real, era de R$ 4,8 bilhões (ou CR$ 13,2 bilhões), continuou ele. Adicionando dez anos de juros a este valor (a Selic acumulada no período), o impacto seria de R$ 26,5 bilhões, calculou o então secretário.

Segundo Levy, decisões da Justiça pela revisão do índice fixado no Plano Real "implicariam o surgimento de uma nova classe de 'esqueletos', com imediato aumento da relação dívida/PIB (de aproximadamente 1,4%)".

As ações nas instâncias inferiores da Justiça também representavam riscos consideráveis para a Receita na correção monetária do balanço das empresas e na compensação de tributos, além do Banco Central. Contratos de trabalho e até aluguéis sofreriam reajustes. "Teria um efeito devastador na economia", informou o então secretário do Tesouro Nacional, em carta enviada a Pertence, no ano passado.

A Consif ingressou com a ação no STF no final de julho passado devido ao excesso de processos pedindo a diferença entre os índices utilizados na época da conversão do Real para a URV.

A idéia foi derrubar essa enxurrada de ações numa tacada só. O primeiro passo foi obtido. Resta, agora, esperar para saber se os outros dez ministros do STF irão concordar com Pertence.