Título: Cinco bancas concentram mercado de oferta pública
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Legislação & Tributos, p. E1

A volta das ofertas públicas de ações no Brasil aqueceu o mercado para os escritórios de advocacia especializados em direito societário. Mas, mesmo com 59 operações ocorridas desde 2004, nem todas as bancas que atuam nesta área conseguiram conquistar uma fatia dos bons ganhos garantidos por elas para os advogados envolvidos. Um levantamento feito pelo Valor a partir dos prospectos dessas operações mostra que apenas cinco escritórios atuaram na totalidade de ofertas públicas, iniciais ou não, nesses últimos dois anos. Essas bancas formaram praticamente um "clube dos IPOs" - para utilizar a popular sigla em inglês que denomina "initial public offering", ou oferta pública inicial.

O ranking das bancas com o maior número de operações realizadas desde 2004 aponta o escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados em primeiro lugar, tendo participado de 35 operações (veja arte ao lado). Ele é seguido pelo Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Pinheiro Neto, Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch e o Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A). Os números aparentam uma dupla contagem porque cada operação tem, em geral, pelo menos dois escritórios brasileiros - um pela companhia emissora das ações e outro pelo banco coordenador. As grandes bancas costumam trocar de posição: quem atua pelo emissor em uma operação vira advogado do coordenador em outra e vice-versa. A concentração desse tipo de operação em poucas bancas chega a superar a do mercado de bancos especializados em estruturar essas ofertas.

Esses cinco escritórios de advocacia dividiram o bolo que as ofertas públicas de ações movimentaram destinado à parte jurídica - e que não foi pequeno. De 2004 para cá, o custo legal dessas operações somou mais de R$ 216 milhões, de acordo com os prospectos das ofertas. Somente os IPOs movimentaram R$ 118 milhões. Cada operação chega a custar, em média, R$ 3,6 milhões apenas nessa categoria de gastos. A maior fatia fica com os escritórios que representam a empresa e a menor com os dos bancos.

Habituados a não falar em valores, os advogados evitam também expor os honorários garantidos por essas operações. Apenas se apressam em dizer que pelo menos a metade dos valores destinados à parte legal é levada pelos escritórios estrangeiros, que cobram alto e em dólar - também quase sempre os mesmos: os americanos Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, Linklaters, Simpson Thacher & Bartlett, Shearman & Sterling, White & Case e Clifford Chance US, mostrando que a concentração não é uma exclusividade brasileira. Mesmo que a oferta seja feita apenas no mercado brasileiro, de cada operação também participam dois escritórios de fora, um pelo banco e outro pela empresa, para atender a legislação estrangeira para os investidores externos.

Outra dificuldade em saber os valores levantados por esse mercado existe porque muitas vezes os custos legais vêm misturados aos pagos a consultores, auditores e mesmo pela publicação dos prospectos. Apenas nesse ano a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a exigir com mais rigor e detalhes o cumprimento do modelo do demonstrativo de custo da distribuição de ações expresso no anexo III da norma que regula as ofertas públicas, a Instrução nº 400 da autarquia.

O superintendente de registro da CVM, Carlos Alberto Rebello Sobrinho, conta que o aumento das exigências surgiu após uma empresa ter tido queda nas suas ações por ter divulgado no balanço trimestral seguinte à oferta custos da operação que não estavam no prospecto, mas argumenta que a exigência não tem como foco exclusivamente os custos com advogados.

A preocupação dos grandes escritórios em não divulgar os valores abertamente é o medo de que o produto vire commodity, no pior sentido da palavra: que possa ser feito por qualquer um. Ou seja, tabelado, o serviço corre o risco de se desvalorizar. Somado a isso houve o medo de que a ameaça de queda do número de operações no início do ano se concretizasse, secando a fonte para as bancas, como lembra Bruno Soter, sócio administrativo do BM&A, única banca carioca da lista, com mais de 150 advogados.

Soter avalia que o mercado ainda não foi testado no quesito da qualidade ou da presença das informações prestadas no prospecto, e isso pode acabar admitindo a entrada de escritórios menos experientes e que cobrem menos. Ou seja, ainda não houve nenhum caso de prejuízos de investidores causada pela falta de informação constante no prospecto. Se isso acontecer, o escritório que fez o prospecto pode ser responsabilizado em conjunto com a empresa.

Trata-se de um documento que chega a ultrapassar as 500 páginas com todas as informações possíveis sobre a empresa, usado para vender as ações, mas também para evitar processos futuros por falta de informações. Este material é elaborado pelo escritório de advocacia da empresa ao longo de meses e é o que dá mais trabalho, segundo advogados, pois cada informação expressa depende de uma auditoria, chamada "due dilligence" e comandada pelo próprio escritório.

Carlos Barbosa Mello, sócio da área de mercado de capitais do Mattos Filho Advogados, escritório paulistano com 190 advogados e líder no ranking de ofertas, diz que é difícil tabelar a parte dos escritórios nas operações, pois ela é calculada em cima dos gastos com homem-hora de trabalho. "Os ajustes de preços no mercado são naturais, mas as bancas especializadas acabam poupando horas de trabalho do cliente e acabam podendo cobrar mais por isso", diz. Só o Mattos Filho tem hoje, segundo ele, em torno de 15 operações em diferentes fases de andamento.

O advogado Luis Antônio Souza, que dá nome ao Souza, Cescon, Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados - dissidência de 2001 do paulistano Machado, Meyer que conta hoje com cerca de 80 advogados -, lembra que a grande diferença de remuneração para o escritório está entre trabalhar para a empresa emissora ou para o banco, que chega a receber um terço do que recebe o primeiro. "Há quem prefira trabalhar pelo banco, que tem uma carga mais leve, mas pode ser mais rentável pois é possível pegar dez operações ao mesmo tempo, além de potencializar as relações com o banco, sempre uma boa fonte", diz. Ele calcula que hoje os escritórios das empresas recebam entre R$ 500 mil e R$ 800 mil por operação, enquanto a taxa dos que trabalham para os bancos fica entre R$ 250 mil e R$ 500 mil. Mesmo assim, ainda há empresas que gastem R$ 4 milhões ou quase R$ 8 milhões apenas com custos legais.

Henrique Lang, sócio da área de mercado de capitais do gigante paulistano Pinheiro Neto, com 240 associados, 68 sócios e terceiro colocado no ranking de participações em ofertas - e com cinco operações em elaboração -, acha natural que alguns escritórios cobrem preços mais baixos para pegar clientes e fazer histórico na área. Outro fator que pode ter feito os valores para os escritórios caírem em alguns casos é o fato de algumas empresas já estarem na segunda fase das ofertas: fizeram seus IPOs entre 2004 e 2005 e agora retornam ao mercado poupando trabalho dos escritórios, já que eles usam muitos dados das operações recentes e não precisam repetir boa parte do trabalho, avalia Fernando Shayer, sócio do Machado Meyer.