Título: Operações já enfrentam contestação na Justiça
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2006, Primeiro Caderno, p. A14

A utilização de operações com instituições financeiras como forma de estados e municípios captarem recursos já começa a suscitar discussões no meio jurídico. Como muitos dos instrumentos usados são novos e as operações não existiam ainda na época em que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi elaborada, cada caso tem sido analisado individualmente.

No mês passado, a questão ganhou novo ingrediente com a aprovação da Resolução nº 33 do Senado, que autoriza Estados, Distrito Federal e municípios a "ceder, para cobrança, sua dívida ativa consolidada" a instituições financeiras. De acordo com o texto, a cessão de crédito pode ocorrer "por endosso-mandato, mediante antecipação de receita de até o valor de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições estabelecidos pela Lei Complementar nº 101 (a própria LRF)".

Na prática, para tributaristas e procuradores críticos do que chamam de "terceirização da dívida ativa", a agressão da resolução não é só à LRF, mas à Constituição Federal, que não prevê no artigo 52 a competência do Senado para regular de forma autônoma matéria tributária, avalia o advogado Guilherme Lippelt Capozzi, do Peccicacco Advogados. Esse ponto e a ausência de previsão de licitação na resolução para escolha do banco que fará cada operação, deverão ser alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) da Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape) e da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM).

Com relação especificamente a operações que envolvem créditos fiscais, a Constituição assegura, ainda, que a cobrança desses débitos é uma função de Estado, de acordo com o artigo 132, e neste ponto poderia haver conflito com outros mecanismos adotados pelos governos estaduais e administrações municipais para trocar dívida ativa por crédito, como os fundos de recebíveis.

Para o advogado Mauricio Moysés, do Albino Advogados Associados, o maior conflito é com a legislação própria a respeito de cobrança de dívida fiscal, a Lei nº 6.830, de 1980, ou Lei de Execução Fiscal. Outro problema que pode ser enfrentado pelos fundos, se couber a eles a cobrança da dívida, diz o advogado, é o fato de o artigo 7º do Código Tributário Nacional (CTN) considerar indelegável a competência tributária. E, na opinião dele, não faz sentido ceder a dívida se o banco não puder fazer a cobrança, já que o prazo para prescrição do débito começa a correr no momento da sua inscrição na dívida ativa.

A alteração desse princípio e da Lei de Execução Fiscal, só pode ser feita por lei ordinária federal, aprovada pelo Congresso e pelo Executivo, entende Moysés.

O advogado Osmar Simões, sócio do Motta, Fernandes Rocha Advogados, que estruturou o fundo de recebíveis para o estado de Goiás, entende que a resolução aprovada pelo Senado funciona como uma espécie de autorização prévia. Ele lembra que, de acordo com a própria LRF, antecipações de recurso ou alteração de níveis de endividamento dependem de autorização prévia do Senado.

No caso do fundo estruturado pelo escritório, o advogado acredita que a LRF não deverá ser um entrave, por tratar de dívida já contraída pelos contribuintes e não poder, portanto, ser considerado antecipação de receita. "Defendemos, assim como o Senado, que dívida ativa já é um bem do Estado", conclui.