Título: Episódio arranha imagem do Brasil no exterior
Autor: Basile, Juliano e Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Agronegócios, p. B12

O pedido de condenação dos oito frigoríficos acusados de formação de cartel deve arranhar a imagem do produto nacional no exterior. "Arranha a imagem do nosso produto porque os importadores certamente vão usar isso como empecilho nas negociações. E nossos concorrentes lá fora vão se aproveitar disso", diz o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), João José Stival.

Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne Bovina (Abiec), informou que não se pronunciaria sobre o pedido de condenação feito pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) porque "não trata de questões envolvendo mercado interno, apenas das relacionadas à exportação".

O Friboi, o maior exportador, brasileiro de carne bovina, informou que só se pronunciará após receber notificação sobre o pedido da SDE. O Bertin, outro grande exportador, afirmou que aguardará o parecer do Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica para se pronunciar. O Minerva não retornou as ligações feitas pela reportagem. Já o Marfrig, também citado, afirmou, em nota, que "nunca fez qualquer acordo para fixar tabela de desclassificação de bovinos; jamais praticou qualquer ato em prejuízo do livre mercado e que apóia o esclarecimento da questão".

O Ministério da Agricultura está preocupado com a repercussão da condenação sobre as decisões de uma missão veterinária dos Estados Unidos que está no Brasil justamente para habilitar novos frigoríficos nacional a exportar para o seu mercado. Além disso, a União Européia deve divulgar nesta semana seu relatório sobre a retomada das compras de carne bovina após o ressurgimento dos focos de febre aftosa no Brasil.

Fabiano Tito Rosa, analista da Scot Consultoria, concorda que há um impacto negativo sobre a imagem da cadeia produtiva de carne no Brasil, que é "meio conturbada". Ele não acredita, porém, que isso possa atrapalhar as exportações brasileiras de carne. Para o analista, a concentração no setor de carne bovina é uma tendência mundial, mas se for comprovado que existe cartel, tal prática ilegal tem de ser punida.

Representante dos frigoríficos voltados ao mercado interno, João José Stival defendeu que o avanço da disputa requer "um momento de reflexão" de ambos os lados sobre a melhoria das relações. "A Abiec tem que entender isso".

Se depender da sua boa vontade, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) está disposta a um acordo. "É um processo muito bem instruído e deve ser mantido. A menos que se interessem [as indústrias] por um termo de compromisso para evitar que as coisas se prolonguem por muitos anos", diz o advogado da CNA, Onofre de Arruda Sampaio. "Não sairá de graça porque demanda uma reparação financeira, além de um programa para cumprir efetivamente a Lei da Concorrência".

Os deputados que ajudaram a patrocinar o processo na Secretaria de Direito Econômico, porém, querem mais punições ao cartel das empresas. "A punição com multas deve ser ampliada para impedir o acesso deles [empresas] aos recursos do BNDES e também evitar a verticalização do processo produtivo, como o confinamento, que busca acabar com os pecuaristas", disse o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), em campanha no norte do estado. "Avançamos num mito, numa vaca sagrada, que era a certeza da cartelização. Mostramos que com uma ação vigiada as coisas andam".

O parecer do Ministério da Justiça enviado ao Cade avaliou também que o sistema de inspeção sanitária - essencial para as exportações no setor - prejudica a concorrência. "Os frigoríficos nacionais têm vantagens competitivas por terem de se submeter ao Sistema de Inspeção Federal [SIF]. Esse sistema dá mais credibilidade perante as grandes redes varejistas e exclusividade na exploração do mercado externo", diz o parecer. Sem esse sistema, avaliou a SDE, os frigoríficos estaduais e municipais têm mais dificuldade para vender e acabam destinando a sua produção para açougues tradicionais e feiras livres.(Mauro Zanatta, Juliano Basile e Alda do Amaral Rocha)