Título: Estatizada, YPF amplia o poder político do governo
Autor: Felício ,César
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2012, Internacional, p. A13

A reestatizada petroleira YPF, dona do maior faturamento do setor privado na Argentina até a sua expropriação pelo governo no dia 16, já funciona como uma alavanca para aumentar o poder de fogo político da presidente Cristina Kirchner. O projeto de expropriação de 51% das ações da empresa (entre os 57% em poder da espanhola Repsol) recebeu o apoio da maior parte da oposição no Senado, em que o governismo, em tese, contaria com apenas 38 dos 72 votos.

A votação estava prevista para ser finalizada na madrugada de hoje, com apenas sete declarações de voto pela abstenção ou contrárias à proposta. As comissões técnicas da Câmara dos Deputados devem aprovar a proposta ainda hoje e o projeto ficará pronto para a sanção presidencial na próxima semana.

A proposta amarra os governadores ao destino da empresa. O projeto concede a dez das 23 Províncias argentinas, que são produtoras de petróleo ou gás, 24,99% do capital da empresa e o direito a igual representação no conjunto de 17 diretores da petroleira. Mas a empresa, que faturou cerca de US$ 12 bilhões no ano passado, conta com ramificações em todas as Províncias do país, e o governo terá ampla discricionariedade para lidar com a questão.

"Quantas ações irão para cada Província? Como serão divididas as diretorias? Como será a política regional de investimentos? Nada disso sabemos", afirmou durante os debates a senadora Sonia Escudero, de Salta, uma peronista dissidente.

A YPF estatal poderá também ampliar a política de subsídios, que consome hoje 4% do PIB e cuja retirada gradual, iniciada em novembro, foi suspensa em fevereiro. "Formosa não produz um metro cúbico de gás natural. A população depende do gás em botijão, e a YPF Gas não quis prorrogar o contrato para fazer a venda subsidiada. Por isso agora somos a favor da expropriação", disse, por exemplo, a senadora Maria de La Rosa.

No próximo ano, haverá eleições legislativas na Argentina e serão renovados as vagas de 24 senadores e de 125 dos 257 deputados. A eleição poderá dar a Cristina a maioria qualificada para mudar a Constituição e instituir alterações como uma nova reeleição ou o parlamentarismo.

As perspectivas econômicas para a Argentina em 2013 são negativas. Segundo a agência de classificação Standard and Poors, que nesta semana rebaixou a classificação da Argentina, a projeção é de uma retração de 2% no PIB no próximo ano. Mas antes mesmo da expropriação a YPF, Cristina já havia aberto o caminho para uma política expansionista de gastos no próximo ano ao alterar a carta orgânica do Banco Central, permitindo o uso de reservas monetárias pelo Tesouro Nacional. Agora, "a YPF volta a ser uma ferramenta para o desenvolvimento", conforme comentou o senador oposicionista Juan Carlos Marino, que é favorável à proposta.

A gestão da empresa sob o comando da Repsol nos últimos 13 anos também diminuiu a oposição política à expropriação. "Houve uma retirada de 255% de dividendos sobre os lucros em 2008 e de 140% em 2009, em razão do acordo de acionistas feito para a entrada do grupo Eskenazi no capital social. A retirada excedeu os 100% porque se descapitalizou a empresa", disse a senadora oposicionista Maria Estenssoro, referindo-se ao grupo argentino que manterá intocada sua participação de 25,4% no capital da companhia.

A senadora, mesmo batendo duro no governo, não conseguiu votar contra. "Atribuir todo esse horror apenas à Repsol seria uma armadilha. Este é um governo que paga aos produtores nacionais US$ 2,65 o milhão de BTU do gás natural e importa o mesmo produto da Bolívia pagando mais de US$ 10. Néstor Kirchner recebeu um país autossuficiente em 2003 e isso foi dilapidado", disse, para em seguida se contradizer. "É muito difícil decidir o voto. Anuncio que vou me abster, antes que mude de opinião", disse.