Título: BNDES descarta desindustrialização precoce do país por causa do câmbio
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Brasil, p. A2
Com o processo de valorização do real que já dura dois anos e meio, economistas e empresários vêm alertando para uma "desindustrialização precoce" da economia brasileira. Um dos impactos da moeda forte seria o desmonte do setor industrial e uma especialização em produtos agropecuários. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) verificou se esse fenômeno está realmente em curso. A resposta, segundo o banco, é não.
Em um estudo de 31 páginas - publicado como texto para discussão e disponível no site do BNDES -, o economista André Nassif descarta uma "desindustrialização precoce" do país. Embora alerte que há riscos de que ocorra no futuro, ele conclui que, até agora, ela não aconteceu.
A argumentação de Nassif se baseia, principalmente, em dois pontos: as mudanças ocorridas na estrutura interna das exportações de manufaturados não são relevantes e a queda de participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) ocorreu antes da abertura comercial e da valorização do câmbio.
Entre os anos de 1989 e 2005, a participação das exportações de produtos primários no total das vendas externas do país subiu de 11% para 13%. Já as exportações de manufaturados caíram, no mesmo período, de 88% para 85%. Nassif considera as variações de dois e três pontos percentuais, respectivamente, pequenas para indicar uma tendência.
"Os dados não mostram uma regressão da pauta exportadora para produtos intensivos em recursos naturais e em trabalho", diz Nassif, referindo-se aos dois fatores de produção de grande disponibilidade no país. A participação conjunta das exportações de produtos primários, manufaturados intensivos em recursos naturais e manufaturados de baixa tecnologia caiu de 72% para 66% entre 1989 e 2005.
Os manufaturados de média e alta tecnologia conseguiram ampliar, mas também de maneira pouco expressiva, sua fatia nas vendas externas do país. A participação desses grupos subiu, respectivamente, de 22% para 24% e de 5% para 8% entre 1989 e 2005.
Nos últimos anos, os investimentos dos setores industriais intensivos em recursos naturais cresceram. Entre 1996 e 2004, a participação desses setores no investimento total da indústria saltou de 40% para 52%. A conseqüência natural é também uma maior participação desses setores no valor adicionado pela indústria. O aumento foi de 32,7% para 40% entre 1996 e 2004.
Esses dados poderiam indicar desindustrialização, mas Nassif diz que é preciso cautela. Entre 2000 e 2004, a taxa anual de investimento do setor de refino de petróleo e coque foi de 42%. A participação desse segmento no investimento total da indústria saltou de 6,5% em 1996 para 22,3% em 2004. É esse setor que explica também a quase totalidade do aumento da participação dos setores intensivos em recursos naturais no valor adicionado pela indústria. Nessa classificação, a fatia do setor de refino de petróleo e coque subiu de 5,5% em 1996 para 13,5% em 2005. "Longe de apontar desindustrialização, o crescimento do setor de petróleo mostra um progresso tecnológico", diz Nassif.
Outro indicador que, para o economista, permite descartar desindustrialização precoce da economia brasileira é a participação da indústria no PIB. Apesar das baixas taxas de crescimento da economia, a indústria da transformação conseguiu manter um nível de participação média de 22% entre 1990 e 2000. Recentemente, houve até uma ligeira alta para 23% em 2004.
Os dados reunidos por Nassif demonstram que a forte perda de participação da indústria no PIB ficou restrita à segunda metade dos anos 80, antes, portanto, da liberalização comercial e da alta do real. O recorde de participação da indústria no PIB ocorreu em 1986, quando atingiu 32%. A partir daí, começou a perder espaço e cedeu para 22% em 1990. Segundo o economista do BNDES, a queda da fatia da indústria no PIB na década de 80 é resultado da perda de produtividade em um ambiente de estagnação econômica e inflação alta.
"Os dados não apontam até o momento para desindustrialização, o que prova que a estrutura do tecido industrial brasileiro tem uma resistência impressionante", afirma Nassif. Ele ressalta, no entanto, que alguns indicadores são preocupantes. O peso relativo dos setores intensivos em trabalho caiu de maneira expressiva nas exportações, nos investimentos e no valor adicionado pela indústria.
Entre 1989 e 2005, a participação dos manufaturados de baixa tecnologia nas exportações cedeu de 28% para 18%. É nessa categoria que estão incluídos têxteis, vestuário, calçados, móveis, brinquedos, entre outros produtos. A fatia dos setores intensivos em trabalho no valor adicionado pela indústria caiu de 13,5% em 1996 para 9,7% em 2005. E a participação no investimento total da indústria baixou de 8,4% para 6,6%.
No estudo, Nassif pondera que, ainda que predominem tecnologias tradicionais, os setores intensivos em trabalho são capazes de absorver mão-de-obra de menor qualificação. "Se a tendência de apreciação da moeda for mantida nos próximos anos, potencializam-se, de fato, os riscos de desindustrialização", diz o economista.