Título: Setor público pode assumir até 40% do risco em PPPs
Autor: Romero, Cristiano e Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Brasil, p. A3

O setor público poderá assumir, nos contratos das Parcerias Público-Privadas (PPPs), até 40% dos riscos dos empreendimentos. Isto será possível graças às regras de contabilização dos ativos dessas parcerias, definidas em portaria do Tesouro Nacional que deverá ser publicada hoje, no "Diário Oficial da União". As regras valem não só para as parcerias fechadas pela União, mas também pelos Estados e municípios e pelas empresas estatais.

De acordo com a portaria, de número 614, toda vez que o setor público assumir risco superior a 40%, os ativos das PPPs terão que ser contabilizados no balanço do setor público. Isso não significa que o empreendimento deixará de ser caracterizado como uma Parceria Público-Privada. A portaria limita-se a estabelecer critérios de contabilização dos ativos nesse tipo de relação.

Os principais riscos que o setor púbico poderá assumir nos contratos de PPPs são os de demanda, de disponibilidade dos serviços e de construção. Por exemplo: pode haver "risco de demanda" numa PPP para a construção e manutenção de uma estrada, com cobrança de pedágio. Nessa hipótese, um contrato prevê um determinado tráfego de veículos, mas, na prática, o movimento é menor que o esperado. Assumir esse risco de demanda significa que o ente público garantiria determinada receita ao parceiro privado. Se ele cobrir mais de 40% da receita esperada no empreendimento, terá que contabilizar o ativo no seu balanço.

"Caso o parceiro público assuma pelo menos um entre os riscos de demanda, construção e disponibilidade, a portaria estabelece o registro do ativo da Sociedade de Propósito Específico (criada para tocar a PPP) no balanço do ente público, no mesmo momento em que a SPE publicar suas demonstrações financeiras. Em contrapartida ao ativo, deverá ser imputado passivo no mesmo valor", explicou, em entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall.

A portaria 614, além de dar maior transparência aos contratos das PPPs, cria, na prática, limitações fiscais à assunção de riscos pelo setor público nas parcerias, uma vez que, para contabilizar os ativos das parcerias em sua contabilidade, os entes públicos terão que observar os limites de endividamento previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quando decidiu criar as PPPs, o governo teve como objetivo criar uma alternativa de investimento, principalmente em obras de infra-estrutura, que não contribua para o aumento do déficit público. As parcerias foram criadas também para viabilizar investimentos que, sem a garantia de uma remuneração atrativa por parte do Estado, não seriam feitos pelo setor privado.

Kawall explicou que as PPPs se situam entre dois extremos: a obra pública, com risco assumido totalmente pelo Estado, e as concessões, onde ele é bancado pelas concessionárias. "É possível que, nas PPPs, o setor público assuma alguns riscos", assinalou o secretário. "Com as regras da portaria, damos transparência a esses contratos, o que é importante para saber que riscos estamos assumindo."

A portaria 614 fecha uma lacuna importante da lei 11.079, que instituiu as PPPs. Para elaborá-la, os técnicos do Tesouro trabalharam 18 meses, estudando legislações e experiências de outros países, especialmente da Inglaterra, pioneira na adoção de PPPs, e de outros países da Europa. O desafio foi justamente definir se os ativos da PPPs seriam registrados ou não no balanço do setor público.

"O relacionamento jurídico do setor público com as empresas privadas nas Parcerias Público-Privadas se dá por meio das sociedades de propósito específico. Faltava definir a essência econômica desse relacionamento", explicou o coordenador-Geral de Análise Econômico-Fiscal e Projetos de Investimento Público do Tesouro, Daniel Sigelmann.

Kawall informou que as regras estão em linha com o aprimoramento institucional ocorrido nos Estados Unidos após a série de escândalos corporativos, no início desta década, que resultaram na falência de empresas como a Enron. "Os riscos eram contabilizados em SPEs, fora dos balanços das empresas", mencionou Kawall.

O secretário informou que, no Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários, por meio da instrução 408, de 2004, obrigou as empresas de capital aberto a incorporarem em seus balanços os ativos que possuem em SPEs. No caso de sociedades criadas para projetos de parceria com o setor público, serão obrigadas a fazer o mesmo.

Além de se inspirar nas normas contábeis da Eurostat, a agência responsável pela padronização da contabilidade dos países da União Européia, e da ASB (Accounting Standards Board), da Inglaterra, o governo brasileiro buscou nos procedimentos do Acordo da Basiléia II regras para contabilizar provisões. Optou-se pelo conceito de provisão do "valor esperado da perda". Isso significa que não será necessário provisionar todo o investimento.

"Estamos criando um padrão de procedimento para que o setor público possa ter, nas PPPs, uma orientação contábil homogênea, com o risco das operações adequadamente precificado", explicou Tarcísio Godoy, secretário-adjunto do Tesouro.

A lei exige autorização legislativa específica para as parcerias quando mais de 70% da remuneração do parceiro privado forem pagos pela administração pública. A União só poderá contratar PPPs quando a soma das despesas de caráter continuado decorrentes dessas parcerias não tiver excedido, no ano anterior, 1% da receita corrente líquida do exercício. As despesas anuais dos contratos vigentes, nos dez anos subseqüentes, também não podem ultrapassar 1% da receita corrente líquida projetada. Isso significa, aproximadamente R$ 3,3 bilhões neste ano.

Kawall, Godoy e Sigelmann também explicaram que, nas hipóteses de parcerias protegidas por fundos garantidores, o risco pode ser deduzido. "É uma forma de mitigar riscos assumidos", disse Kawall. No caso da União, já foi criado um fundo garantidor avaliado, em 2005, em R$ 3,43 bilhões, com ações do Banco do Brasil, Eletrobrás e Vale do Rio Doce.