Título: Governo eletrônico é falho e não reduz filas, indica relatório do TCU
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Brasil, p. A4

O governo está fracassando na tarefa de oferecer serviços públicos pela internet e o resultado é uma infra-estrutura de rede deficiente junto à população, desperdício de recursos e filas imensas nos postos de atendimento de benefícios sociais.

A conclusão é do Tribunal de Contas da União (TCU). Na análise do TCU, falta maior integração entre os ministérios, função que deveria ser exercida pela Casa Civil e pelo Ministério do Planejamento para que o projeto do governo eletrônico - conhecido como e-gov - se torne efetivo. A Casa Civil, segundo o TCU, interrompeu até as reuniões de coordenação do projeto.

Em um relatório de 52 páginas, o tribunal mostra que o governo não consegue usar a internet para evitar filas, nem para oferecer serviços mínimos a mais de 30 milhões de pessoas que usam a rede no Brasil. As páginas do governo na internet sofrem de falta de clareza e redundância na apresentação da descrição de alguns serviços, continuou o relatório. Há dificuldade de navegação para encontrar os serviços existentes.

O TCU entrevistou 4.944 usuários do e-gov. No auxílio-doença, por exemplo, quem se cadastra pela rede do governo depois tem que refazer tudo no posto do Ministério da Saúde e ainda enfrentar fila. "De nada vale a possibilidade de agendamento, via web, de consulta de perícia médica, para recebimento de auxílio-doença, se a unidade de saúde indicada para o exame não contar com médico no horário de atendimento", disse um usuário do auxílio-doença.

No INSS, a ação eletrônica é pífia e as filas são imensas. Faltam campanhas para estimular a população a usar a rede. Muitas pessoas não usam porque acham que, pela rede, não receberão o benefício, disse um técnico do TCU que atuou na pesquisa.

"É lamentável a realidade das longas filas a que precisam se sujeitar os cidadãos à espera de atendimento", criticou Valmir Campelo, ministro do TCU. "De nada adianta a disponibilização de serviços públicos eletrônicos, quando não há continuidade nos procedimentos para seu atendimento completo." Um dos maiores problemas, segundo o ministro, é que não há um portal de centralização dos serviços. Os ministérios são ilhas isoladas, num momento em que a internet permite a união.

A aplicação de recursos para o e-gov é desviada para atender às demandas específicas dos ministérios. O dinheiro que deveria ser destinado para um programa centralizado, é usado para o apoio administrativo dos ministérios. Vai para a despesa de informática de cada pasta. O valor não é pequeno. O TCU estima que são gastos R$ 2,3 bilhões pelo governo com informática por ano. Entre 2004 e 2007, foram previstos R$ 194 milhões apenas para o e-gov.

"Os progressos podem ficar à mercê de esforços e interesses pessoais de determinados gestores, e, não necessariamente como resultado de ação de suporte e mobilização centralizada a partir da coordenação do programa", apontou Campelo. O TCU ouviu 59 gestores dos portais em cada ministério. Desses, 40 disseram que possuem menos de 10 serviços disponíveis no portal de sua pasta.

Outro problema, segundo o TCU, é a descontinuidade nas políticas do setor. O projeto do e-gov foi iniciado em 2000, no governo FHC. A idéia inicial era incentivar o uso da rede para atender à população. Com isso, o governo economizaria dinheiro com postos de atendimento, principalmente na área social. O governo FHC centralizou o e-gov no portal "Rede Gov", em 2000. O governo Lula criou o "Portal Brasil", no ano passado, e o "Domínio Público", em 2004.

A pesquisa com gestores de portais revelou que 83,6% desconhecem o desenvolvimento do Portal Brasil. Ao todo, 58,2% acham que o governo deveria usar inventários de seus sítios para consolidar um portal único. Ou seja, seis anos após o início do e-gov, o TCU concluiu que o governo não consegue usar a tecnologia para ajudar a população e pediu a centralização dos serviços.

O TCU escolheu quatro ministérios para uma análise minuciosa: Educação, Fazenda, Previdência e Trabalho. Todos os projetos via rede oferecidos por essas pastas têm problemas. O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego - um dos carros-chefe do governo Lula - tem links com mensagem de erro.

Na Previdência, o TCU criticou o fato de 67,71% dos links da pasta destinarem-se à mera prestação de informações. O ministério respondeu que atingiu a meta de atender 280 mil beneficiários do INSS pela rede por mês. Mas, segundo o TCU, apenas 4,72% dos serviços foram requeridos pela internet, o que mostra que a rede é "subutilizada, não obstante os benefícios que resultariam do incremento no uso".

A declaração de isento, da Receita, deveria ser feita com a ajuda dos correios e da telefonia, que cobre 80 milhões de pessoas, enquanto a internet abrange 30 milhões, mas o serviço não é oferecido. O salário-maternidade e a pensão por morte são outros benefícios que poderiam ser oferecidos pela internet. O relatório do TCU foi aprovado por unanimidade e encaminhado para o governo corrigir os erros.