Título: Uso de agenda presidencial na campanha deixa o TSE em alerta
Autor: Basile, Juliano e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Política, p. A6

A agenda de Lula-presidente está se confundindo com a agenda de Lula-candidato e pode lhe trazer problemas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em vários atos de seu governo, o presidente tomou medidas que lhe renderam benefícios eleitorais.

Em junho passado, o governo abriu os cofres para os servidores públicos no prazo-limite do calendário eleitoral. O aumento foi bastante criticado pelo TSE, mas pôde ser implementado porque foi efetuado no limite e nenhum partido reclamou ao tribunal.

Em julho, Lula anunciou linhas de financiamento específicas para empresários de regiões onde não estava bem nas pesquisas de opinião. Os recursos, provenientes do FAT e liberados pelo Banco do Brasil, representaram investimentos para a indústria moveleira, calçadista e agropecuária - todas com forte presença na região sul do país. O anúncio foi feito na véspera da ida de Lula ao Rio Grande do Sul e aumentou em cerca de três pontos percentuais os índices de voto no petista na região.

Nos últimos dias, o presidente tem emendado viagens oficiais com comícios de campanha e, dessa forma, está conseguindo reduzir os seus custos de deslocamento. As viagens são financiadas pelo Palácio do Planalto e, em seguida, Lula participa de um evento político de campanha. Neste caso, os custos, já reduzidos, ficam por conta do partido.

O exemplo mais recente aconteceu ontem. À tarde, Lula participou da cerimônia de abertura do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública e do 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Depois, o presidente Lula, junto com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, participou de um jantar, no Rio, com representantes da classe artística (ver página A7). O primeiro evento foi oficial, da Presidência da República. O segundo foi um evento de campanha.

Essa prática, de unir eventos oficiais aos eleitorais, quase aconteceu na semana passada. Lula visitaria as obras da BR-101, em Criciúma (SC) e, à noite, aproveitaria para fazer um comício na cidade. Mas, o mau tempo na região impediu os dois eventos.

O risco que o presidente está correndo é o de sofrer uma representação no TSE, que, mais rigoroso nessa do que em outras eleições, multou Lula, na semana passada, pela distribuição de cartilha com realizações de seu governo. Bancada pelo governo, a cartilha foi distribuída antes das eleições, o que gerou a condenação por propaganda fora de época.

Agora, o rigor pode se impor à figura do "presidente-candidato", e o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, tem aproveitado discursos e entrevistas para destacar os abusos no uso da máquina que tem visto nesta campanha de reeleição. Para o corregedor-geral eleitoral, ministro César Asfor Rocha, a reeleição trouxe uma dificuldade adicional a essa campanha. Como o Congresso não disciplinou o que o detentor de cargo candidato à reeleição pode ou não fazer, os ministros do tribunal terão de analisar caso a caso. Nessa situação, diz Rocha, "é natural que o candidato atue no limite, nessa fronteira entre o permitido e o proibido".

José Eduardo Alckmin, advogado e primo do candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, afirmou ao Valor que está acompanhando o dia-a-dia do presidente Lula para verificar se ele está ou não abusando do cargo. "Não há dúvida de que ele deve governar. Mas, não pode usar a máquina pública", diferencia o advogado. Ele explicou que o TSE já permitiu autoridades públicas de se deslocarem a uma cidade para participar de eventos oficiais e, logo depois, ir a um evento público.

A conduta só é vedada se for comprovado que o governo patrocinou o evento do candidato. Mas, no caso de Lula, "ele está transbordando limites em várias frentes", completou Alckmin. E o TSE adotou uma postura mais rigorosa nessas eleições, podendo, inclusive, alterar essa orientação firmada em 1998.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP) irritou-se com as críticas ao comportamento de Lula. Antes da campanha, Berzoini dissera que o PT não aproveitaria eventos oficiais para emendar com comícios, justamente para não dar margens a insinuações de sobreposição de atividades.

Ontem, disse que não via problema nenhum nisso. Negou que seja uma estratégia do PT para baratear a campanha pela reeleição. Berzoini também lembrou que a sobreposição é típica de alguém que é candidato no exercício do cargo. "Não há como dividir o Lula em dois. Ele é candidato e presidente".

Berzoini também rebateu críticas às benesses eleitorais concedidas pelo presidente durante a campanha. Para o petista, as novas linhas de financiamento anunciadas pelo Executivo nos últimos meses são prerrogativas do Executivo. "Não inventamos as demandas, elas existiam. O que nossos adversários pretendem? Que esqueçamos a vida real? Por que não propõem que Lula deixe de ser presidente e seja apenas candidato?", disse o presidente do PT. Segundo o petista, o governo tem muito a mostrar e não precisa ficar inventando "estratégias para vencer a eleição".