Título: Cenário externo volta à trilha do pessimismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2006, Opinião, p. A12

Os humores dos mercados estão mudando novamente em direção ao pessimismo. É cada vez maior o número de previsões de bancos que aponta para um 2007 razoavelmente pior que 2006, se não substancialmente pior. Em um típico movimento ciclotímico, já há quem acredite que o Fed americano foi longe demais em seu aperto monetário e de que os EUA caminham diretamente para uma recessão. É quase certa uma desaceleração global - após os quatro melhores anos de crescimento mundial consecutivos desde os anos 70 - , mas é pouco provável até agora o cenário em que a locomotiva americana pare de vez.

As últimas estatísticas sobre a saúde da economia americana confirmaram que o ritmo de crescimento foi freado e caiu pela metade no segundo trimestre (2,5% ante 5,6%) e que a tendência subsiste no terceiro trimestre. O índice de confiança do consumidor levou um tombo em julho, acompanhada da queda nos indicadores antecedentes e do pior desempenho em dois anos do setor da construção civil. Um ajuste ordenado dessa desaceleração é complexo, dado o potencial destrutivo de um desinflar da bolha especulativa no mercado imobiliário e do alto nível de endividamento do consumidor americano. Uma das boas notícias é a de que há sinais de contenção da inflação. O núcleo do índice de preços no atacado mostrou uma imprevista e forte deflação, o que pode mudar o jogo da evolução dos preços no futuro. Até agora a dúvida dos analistas era saber se a onda de repasse de preços por parte das empresas se sustentaria no curto prazo. O PPI indicou que a resposta deve ser negativa.

O Fed foi previdente ao interromper provisoriamente o ciclo de alta dos juros no momento da virada da economia americana para um patamar mais reduzido de expansão. O BC americano espera acomodar a inflação, sem cortar as asas do crescimento, algo que os ortodoxos acreditam ser a esta altura impossível. Nas previsões do Fed, que ele estima compatíveis com os juros atuais, a economia crescerá perto dos 3,5% neste ano e perto dos 3% em 2007. Nada de muito ruim, se o Fed estiver certo.

Uma recessão americana não será contrabalançada pelo crescimento de outros países. Há uma certa euforia, e muita desconfiança, sobre o desempenho da área do euro, que no segundo trimestre cresceu a uma taxa anualizada de 3,7%. Não há nada que indique que esse ritmo seja sustentável, mas há indícios de que não deverá ser, como o aperto fiscal a caminho na Alemanha, a maior economia do bloco, e da Itália, e a redução do dinamismo exportador pela valorização do euro diante do dólar.

Uma forte desaceleração na economia americana dificilmente deixaria de afetar a economia da China, a que mais cresce no mundo e uma das maiores responsáveis pelo boom de preços das commodities mundial. Em primeiro lugar, os próprios dirigentes chineses vêm tentando domar esse crescimento - 11,3% para o PIB, 19,5% para a indústria - , até agora sem muito resultado. A porcentagem dos depósitos compulsórios dos bancos já foi elevada duas vezes neste ano e os juros básicos e de depósitos à vista também. Há excesso de capacidade de investimento e restrições ao uso dos juros para frear a economia, pois os bancos estatais acumulam uma montanha de créditos não pagos.

Se um desaquecimento está no horizonte, não é certo que ele seja forte, desequilibrado ou turbulento. A moderação do consumidor americano ajudará a reduzir o enorme déficit comercial dos EUA, ao passo que um crescimento menos vigoroso da China auxiliará a reverter os níveis recordes de preços das commodities, inclusive, em algum grau, o do petróleo. Por outro lado, haverá um custo a pagar por uma menor expansão do comércio mundial em um ambiente de aperto monetário. Os investidores estarão ainda mais avessos a riscos e o saldo comercial do Brasil tenderá a diminuir, no que deve ser acompanhado de alguma recuperação do dólar. Com isso o país crescerá um pouco menos, talvez com um pouco mais de inflação. Um dos pontos de vulnerabilidade, e um dos poucos indicadores fora do eixo para os investidores, é o da dívida pública. O governo precisa manter seus gastos sob rígido controle e estabelecer metas para a redução do endividamento, que resguardem o flanco externo e abram espaço para expansão mais forte do mercado doméstico.