Título: Conta-investimento não vale para os IPOs
Autor: Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, EU & Investimentos, p. D2

A Receita Federal fechou uma brecha que vinha dando margem para os investidores que participam de ofertas públicas de ações - iniciais (IPO) ou vendas secundárias (de papéis já existentes) - escaparem de uma Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) na reaplicação dos recursos. Segundo a Receita, o aplicador só pode comprar ações fora de bolsa com o dinheiro que está na conta corrente. Isso quer dizer que, no caso de venda desses papéis, o valor tem de voltar para a conta corrente e o resultado é que ele passa a pagar CPMF quando o destina à outra finalidade, como fundos ou CDBs.

Se o dinheiro usado na compra das ações estava na conta corrente não há mudança, pois o dinheiro voltaria para a conta e pagaria CPMF para ir para outra aplicação. Mas se os recursos estavam na conta-investimento, provenientes de outra aplicação, quando o investidor vender os papéis comprados em oferta pública, o dinheiro voltará agora para a conta corrente e, assim, ele perde o pedágio que já havia pago quando transferiu os recursos para a conta-investimento pela primeira vez.

Isso não ocorria antes, pois os recursos voltavam direto para a conta-investimento. É que, até aqui, pelo entendimento das instituições financeiras, o investidor tinha a prerrogativa de escolher de onde tirar os recursos para liquidar as reservas de ações nas ofertas públicas: da conta corrente ou da conta-investimento, tal como faz quando compra os papéis na bolsa. Mas não é assim.

O esclarecimento consta de um ato declaratório publicado no Diário Oficial da União no início do mês pela Secretaria da Receita Federal (SRF). O comunicado chegou a criar certa confusão entre os representantes das instituições financeiras, às voltas com seus departamentos jurídicos. No início, alguns chegaram a interpretar o teor do documento como um passo atrás na medida que havia estendido a isenção CPMF às compras de ações em ofertas públicas, que são feitas fora da bolsa. Não é, porém, o caso.

No Ato Declaratório Interpretativo nº 8, a Receita diz que a aquisição de ações em oferta pública, realizada fora da bolsa, é modalidade de aplicação financeira não integrada à conta corrente de depósito para investimento, a conta-investimento.

Por meio de sua assessoria de imprensa a Receita reiterou que, ao participar dos lançamentos de ações - que em geral ocorrem no chamado mercado de balcão, formado pelas corretoras, portanto, fora da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) - , o investidor tem, sim, direito à alíquota zero da CPMF, só que os recursos têm de ser debitados da conta corrente. Há cerca de duas semanas, a Bovespa enviou um ofício circular às corretoras reforçando o comunicado.

A Receita é, porém, reticente em esclarecer a questão do duplo pagamento da CPMF que acaba ocorrendo quando o dinheiro do aplicador já estava na conta-investimento. A Receita não forneceu desde o primeiro contato, no início do mês, uma resposta direta para a questão, tampouco dispôs de um representante para falar sobre o tema com o Valor. E, se os recursos destinados às ofertas saem necessariamente da conta corrente, na venda dessas ações, o valor obtido tem de voltar para o mesmo lugar, pagando CPMF no saque ou quando direcionados à conta-investimento para outra aplicação, diz Ana Cecília Manente, do escritório Levy & Salomão.

O tributarista Mario Shingaki, também do Levy & Salomão, explica que, até o governo publicar em fevereiro a Medida Provisória (MP) 281 sobre a isenção de Imposto de Renda (IR) para os ganhos de capital do investidor estrangeiro com títulos públicos - medida convertida na Lei 11.312, de 27 de junho - , não havia previsão constitucional para a isenção da CPMF para transações com ações fora do ambiente bolsa, como ocorre praticamente com todas as ofertas públicas. O o governo aproveitou para acrescentar tal possibilidade no artigo 8º da Lei 9.311, de outubro de 1996, a lei geral que instituiu a CPMF no mercado brasileiro.

Desde fevereiro, o mercado assumiu que ficaria a critério do investidor liquidar as compras de ações em ofertas públicas por meio da conta corrente ou da conta-investimento, sempre com a isenção da CPMF. Agora a Receita vem corrigir o equívoco por meio do ato declaratório, documento que padroniza as informações e orienta a fiscalização para fazer suas autuações. Isso quer dizer que, há pelo menos seis meses, o mercado tem adotado o procedimento incorreto.

Shingaki diz que esse não é o primeiro nem será o último questionamento na história da CPMF. Para se ter uma idéia de como a questão é controversa, entre os próprios técnicos da Receita há dúvidas.

No dia 11, a assessoria de imprensa da Receita chegou a enviar ao Valor uma resposta onde admitia que "o recurso que sai da conta corrente tem de voltar para a conta corrente, e o que sai da conta-investimento tem que voltar para a conta-investimento". Interpelada sobre a contradição entre o primeiro esclarecimento e o segundo, ambos enviados por e-mail, a Receita voltou atrás, dizendo que só a resposta anterior, em que afirmava que "as aquisições com benefício da alíquota zero ou não incidência de CPMF transitam pela conta corrente, sem cobrança da CPMF" é que valia.