Título: Tema pode esbarrar no Judiciário
Autor: Borges , André
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2012, Especial, p. A14

A liberação das reservas indígenas para a mineração ainda não é um consenso no governo e tudo indica que haverá dificuldades para levar a proposta adiante. O próprio presidente da Comissão Especial de Mineração na Câmara, deputado Padre Tom (PT-RO), admite que o governo ainda não assumiu claramente o ônus político que o projeto pode gerar, principalmente em um momento em que se aguarda uma definição sobre os rumos do Código Florestal e do próprio Código da Mineração, que promete alterar substancialmente as regras e os encargos pagos pelas empresas na extração de minérios.

"É preciso que o governo tome uma postura decisiva. O Ministério de Minas e Energia já informou que é absolutamente favorável, mas falta uma definição mais clara do Ministério da Justiça [que controla a Funai] e também da Casa Civil", comenta o deputado Padre Tom. A Funai é favorável à regulamentação, segundo Aloysio Guapindaia, diretor do departamento de promoção ao desenvolvimento sustentável da fundação. A Casa Civil foi procurada pelo Valor, mas não enviou um posicionamento sobre o assunto até o fechamento desta edição.

O receio dos parlamentares, principalmente aqueles da bancada ruralista, é de que a proposta tenha o mesmo desfecho de outras disputas polêmicas que já envolveram terras indígenas, como a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. O deputado Édio Lopes, que agora relata o novo texto PL 1.610, foi um dos opositores da demarcação contínua da Raposa Serra do Sol. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que arrozeiros e fazendeiros que viviam na terra indígena deixassem a área de 1,7 milhão de hectares, o equivalente a 12 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Na semana passada, o STF chegou a mais uma conclusão em favor dos índios, derrubando títulos de propriedades que foram dados a fazendeiros e agricultores no Sul da Bahia. Em sua decisão, o STF reconheceu o direito dos índios de ocuparem os 54 mil hectares de uma região que, segundo a Funai, faz parte de uma reserva indígena, embora não estivesse homologada.

Seja qual for a decisão final sobre a exploração mineral nas reservas, é certo que o caminho deverá estar repleto de brechas para disputas judiciais. Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a abertura das reservas à mineração irá potencializar os conflitos com as aldeias. "Somos contrários a essa proposta. Na prática, o que vemos é que essa condição de pagamento de royalty ao índio é tão ou mais danosa que a própria extração do minério", diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Cime. "Essa condição mexe profundamente com a cultura do povo indígena e cria uma série de dependências. Nós não temos sequer noção das consequências que isso pode gerar no futuro."

Na realidade, a aprovação do PL 1.610, segundo Buzatto, seria uma tentativa de driblar o que estava previsto numa regulamentação anterior, que altera o estatuto do índio. O Projeto de Lei 2.057, em tramitação há 21 anos, trata da questão da mineração em um de seus capítulos e garante ao índio a decisão final sobre a autorização da lavra. No texto atual do PL 1.610, esse poder de veto indígena foi retirado, uma imposição que os índios não estão dispostos a acatar.

"Não somos contra a discussão da mineração e estamos abertos ao debate até que essa consulta ampla chegue a toda comunidade, mas precisamos ter assegurada a garantia de nossos direitos", diz Kleber Luiz Santos Karipuna, liderança indígena no Amapá. "Quem quiser dizer sim à mineração, que diga com tranquilidade. Quem quiser dizer não, que tenha respeitada essa posição."

A falta de entendimento sobre o assunto e a dificuldade de debatê-lo com as comunidades também incomoda Francisca Novantina Ângelo, lider indígena no Mato Grosso. "Queremos participar efetivamente para ter clareza sobre o que será feito. É um tema de difícil compreensão para o movimento indígena, que não tem o domínio técnico e político da discussão e, por isso, pode ser prejudicado", diz.

Mais contundente ainda é a posição da Articulação dos Povos Indígenas Brasil (Apib). "Estamos sendo pressionados para dizer sim a esse projeto, e não para participar de um debate. E se dissermos não? Nós seremos respeitados?", questiona Rosane Kaingang, representante da Apib. (AB)