Título: Edemar deve sair hoje da prisão
Autor: Goulart, Josette e Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos, recebeu ontem habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) e deixará a prisão depois de 89 dias detido preventivamente por ordem do juiz federal Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O ex-banqueiro foi indiciado há um ano pela Polícia Federal por crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão fraudulenta do Banco Santos e teve a prisão preventiva decretada por ocultação de obras de arte e obstrução da Justiça.

Segundo o advogado de Edemar, Arnaldo Malheiros, o empresário deverá sair da prisão de Tremembé, no interior paulista, ainda hoje. A decisão do Supremo foi liminar e precisa, em tese, ser confirmada. Contudo, a Segunda turma da corte concedeu a liberdade ao banqueiro por quatro votos a um - a oposição ficou por conta do ministro Joaquim Barbosa. A decisão do Supremo também suspende a ação em curso no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região.

Os ministros do Supremo entenderam que as duas alegações do Ministério Público Federal para justificar a prisão cautelar eram insuficientes. Segundo o ministro Cezar Peluso, a atuação do réu na articulação da própria defesa é uma atividade legítima, e mesmo que em alguns casos possa tumultuar o processo, não significaria obstrução da Justiça. A outra alegação para a prisão, de ocultação das obras de arte seqüestradas pela Justiça Federal, é para o ministro uma alegação própria da prisão civil por dívida, e não da prisão penal preventiva.

O habeas corpus foi julgado pelo Supremo dentro de uma das poucas exceções abertas pela corte, que tinha jurisprudência para não julgar liminarmente habeas corpus que não foram julgados pelo TRF. No TRF, o banqueiro teve liminares negadas pela presidente do tribunal, Anna Maria Pimentel, e pelo desembargador Johonson Di Salvo, que confirmou a decisão da presidente, mas o mérito não chegou a ser julgado. Na segunda turma do Supremo, o habeas corpus foi inicialmente negado pelo ministro Joaquim Barbosa, mas houve recurso para a turma e o pedido acabou deferido ontem.

A história de Edemar à frente do Banco Santos é conhecida por centenas de credores que amargaram perdas de R$ 2,7 bilhões somente no Brasil. Uma das maiores falências em curso no país em recursos, o processo já abriga cerca de 50 volumes e outros 20 volumes só de procurações de credores. Outras dezenas de advogados fazem parte do processo, que caminha de forma turbulenta, enquanto Edemar passou de ator para mero espectador. Muitos credores travam uma briga com o administrador judicial Vânio Aguiar e tentam destituí-lo na Justiça, alegando falta de empenho em recuperar os créditos e de preparar uma ação estratégica para trazer de volta recursos possivelmente desviados. Uma briga já esperada em um processo conturbado que envolve suspeitas de fraude, de operações casadas e de aluguel, que rodavam a "bicicleta" Banco Santos, como ficou conhecida no mercado financeiro.

Há desde operações em que o tomador de crédito do BNDES recebia 100% a mais do que pedia para aplicar em debêntures do Grupo Santos até o aluguel de Cédulas do Produtor Rural (CPR), além de operações de dólar cabo - operações típicas de doleiros, envolvendo outras dezenas de empresas de alguma forma ligadas à Edemar. Isso apenas em operações realizadas dentro do Banco Santos. O Ministério Público Federal (MPF) identificou inúmeros laranjas em operações que envolvem dezenas de offshores e empresas brasileiros ligadas ao esquema.

Do rombo do Banco Santos, a carteira praticamente perdida está em R$ 1,7 bilhão. Da carteira de crédito de R$ 700 milhões considerada recuperável pelo administrador judicial, R$ 386 milhões são de operações de reciprocidade em que o tomador aplicava parte dos recursos em debêntures. Vânio Aguiar tenta convencer os credores a aceitarem fazer um acordo com esses devedores para que eles paguem 100% do crédito que tomaram e efetivamente usaram e tenham um deságio de até 75% da parte que aplicaram nas debêntures. Mas os credores, por sua vez, principalmente os mais de 100 liderados pela KPMG e pelo escritório Lobo & Ibeas, querem que Aguiar passe informações mais precisas sobre esses descontos. Os advogados acreditam que deveria haver uma pressão para que a dívida fosse paga integralmente. "Quem tomou mais dinheiro do que precisava podia não saber o que, mas sabia que estava fazendo parte de alguma coisa", diz o advogado Luiz Eugênio Muller, do Lobo & Ibeas. A proposta era até mesmo de que esses devedores fossem denunciados por participar das fraudes.

Muitos desses empréstimos foram tomados por empresas que hoje não teriam condições de honrar os compromissos. Por outro lado, inúmeras fundações, empresas, fundos de investimentos e pessoas físicas já estão tendo que arcar com prejuízos de bilhões em suas carteiras. Pelos relatórios de Aguiar à Justiça paulista, que cuida da falência, se por um lado os devedores financiavam o esquema, por outro os próprios credores faziam sua parte injetando milhões no Banco Santos por meio de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Com o habeas corpus, Edemar Cid Ferreira volta para a mansão do Morumbi, em que se acredita que tenha gasto cerca de R$ 150 milhões.