Título: Esquenta disputa judicial envolvendo o Orkut
Autor: Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, Empresas, p. B1

Quando Sergey Brin e Larry Page, os fundadores do Google, fizeram uma visita surpresa ao Brasil, no fim de janeiro, eles mesmos reconheceram que não sabiam a razão do sucesso do site de relacionamento Orkut no país e ainda perguntaram "alguém aí sabe?"

Sete meses depois, o Orkut continua a ser um sucesso inexplicável - cerca de 70% de sua audiência é brasileira, o que equivaleria a cerca de 20 milhões de pessoas no país -, mas transformou-se em uma dor de cabeça jurídica para a empresa. A própria sobrevivência da filial brasileira está ameaçada por causa do site.

Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo entrou com uma ação pedindo que a Justiça obrigue o Google Brasil (a filial da companhia no país) a cumprir as ordens de quebra de sigilo de dados de comunidades e usuários que utilizam o Orkut para praticar crimes de ódio - como as ações de grupos neonazistas -, além de pornografia infantil.

Segundo o MPF, o número de processos de quebra de sigilo já soma 52 casos em São Paulo, dos quais 38 receberam a aprovação da Justiça Federal do Estado. A filial brasileira do Google não teria, no entanto, atendido a nenhuma das ordens expedidas.

Agora, com a ação, o MPF quer que o Google pague uma multa diária de R$ 200 mil por processo se descumprir a liminar, além de uma indenização de R$ 130 milhões pela desobediência às ordens judiciais expedidas até agora. O valor representa 1% da receita bruta da empresa no ano de 2005.

O Google adiantou-se e anteontem entrou com uma ação na qual pede que seja indicado um especialista para confirmar que a empresa não armazena no país as informações sobre os usuários do Orkut. A filial alega que os dados estão armazenados em computadores nos Estados Unidos e são propriedade da matriz, para a qual deveriam ser encaminhados os pedidos. Segundo Durval Noronha, procurador do Google Inc. no país, nos últimos 60 dias isso foi feito em 15 casos, todos atendidos.

Na Procuradoria da República no Estado de São Paulo, a conta é diferente. Segundo o MPF, dos 38 pedidos aprovados pela Justiça, 6 foram encaminhados ao Google Inc. e obtiveram resposta, mas os dados eram insuficientes. "Na maioria deles, não apresentaram nem o endereço IP", diz o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, autor da ação. O endereço IP é um número que permite identificar os computadores de onde partiram os ataques.

Segundo Suiama, o argumento de que o Google no Brasil não detém os dados não procede. Como exemplo, cita o episódio da socialite Yara Baumgart, cuja página na web foi invadida e alterada. Nesse caso, diz ele, a subsidiária pediu diretamente à matriz o envio dos dados, apresentando-os à Justiça.

Em defesa do Google, Noronha diz que uma convenção internacional estabelece que crimes digitais são de natureza internacional e escapam à legislação de um país. A empresa poderia ser processada nos EUA, dependendo da informação revelada, diz ele.

Suiama refuta o argumento. Ele afirma que o MPF só investiga ataques de brasileiros a outros brasileiros e que empresas como Yahoo e Microsoft (dona do portal MSN) prestam informações diretamente por meio das filiais. "A jurisdição é brasileira", diz.