Título: Rigor na venda de antibióticos
Autor: Sakkis, Ariadne
Fonte: Correio Braziliense, 28/10/2010, Cidades, p. 28

Hoje ou amanhã, a Anvisa divulga resolução com novas normas para a venda desses medicamentos. A iniciativa faz parte da estratégia de enfrentamento da bactéria KPC, que no DF atingiu 194 pessoas e fez 18 mortos, e afeta 10 unidades da Federação

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária deve publicar hoje, no mais tardar amanhã, a resolução que estabelece novas regras para a venda de antibióticos, na tentativa de obter controle mais rígido sobre o uso do medicamento. A partir da data da publicação, as farmácias terão que condicionar a venda dos antimicrobianos à apresentação e à retenção da segunda via da receita médica. A medida faz parte do plano de ação da agência para impedir o aumento de casos de infecção pelas chamadas superbactérias, como a Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC).

A medida chega em um momento de aumento de 11 casos no total de notificações pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal em relação ao último boletim, referente às informações obtidas até 14 de outubro. Segundo levantamento divulgado pelo órgão ontem, de janeiro até 22 de outubro, a KPC foi diagnosticada em 194 pessoas, sendo que 48 desenvolveram a infecção e 18 mortes foram relacionadas ao micro-organismo. Atualmente, 66 portadores da bactéria estão internados e 10 deles desenvolveram a infecção. Entre os estados que notificaram casos de infecção da KPC, o DF encabeça a lista com o maior número de episódios e mortes.

Além da obrigatoriedade das duas vias a do paciente receberá carimbo da drogaria , a resolução tornará as receitas válidas por apenas 10 dias. Caso a compra do remédio não seja feita dentro desse prazo, será preciso voltar ao médico para a emissão de uma nova prescrição. As farmácias também deverão armazenar os dados do paciente e de quem efetuou a compra, caso sejam pessoas diferentes. As farmácias terão 60 dias após a publicação da norma no Diário Oficial da União para adaptação ao novo protocolo.

O presidente do Conselho Regional de Farmácias do DF, Hélio José de Araújo, elogiou a medida e acredita que as farmácias não terão problemas para se adaptar. É uma ação benéfica para a sociedade. Todas as farmácias já estão preparadas porque outros remédios já exigem a retenção da receita, como antidepressivos, por exemplo, afirma. Ele garante que os farmacêuticos estão recebendo orientações adequadas para impedir o comércio livre desse tipo de medicação. Temos um trabalho intenso para que a farmácia não seja vista como um estabelecimento comercial comum e sim como um órgão de saúde pública.

Automedicação No entendimento de especialistas e da Anvisa, a automedicação, hábito comum entre brasileiros, contribui diretamente para o aumento da resistência das bactérias às drogas criadas para enfrentá-las. A população precisa saber que a principal reação adversa dos antimicrobianos é o desenvolvimento de resistência por parte das bactérias. Quando a pessoa toma um antibiótico sem necessidade ou de maneira errada, se for preciso usar o mesmo medicamento por outro problema, o remédio pode não fazer mais efeito, afirma Marcela de Andrade Conte, professora de farmácia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Em casos de infecções pelas chamadas superbactérias, às vezes, o tratamento requer a utilização de até três antibióticos diferentes para combater um único tipo de organismo.

A persistência bacteriana funciona mais ou menos como o processo de o corpo humano desenvolver anticorpos para determinados vírus, como os variáveis da gripe. A professora explica ainda que a da resistência pode ser passada de um micro-organismo para outro. A bactéria que conseguiu desenvolver a resistência pode transmitir essa informação para outras bactérias com as quais tem contato, como a KPC, diz Conte.

Os efeitos indesejados do fortalecimento podem não ser detectados em pouco tempo. Mas, para a infectologista-chefe do Hospital Daher, Luciana Teodoro Lara, quadros de crise como atualmente se vive com a KPC e o mau uso do medicamento estão intrinsecamente ligados. A curto prazo, o uso indiscriminado não tem efeitos colaterais. Isso que está acontecendo agora é um efeito de longo prazo. A disseminação e o uso dos antimicrobianos se deu a partir da década de 1970, quando houve avanços na tecnologia e também maior desenvolvimento de antibióticos. De lá para cá, o acesso aos antibióticos foi muito grande e seu uso, indiscriminado. Hoje estamos vendo os resultados, afirma.

Além da automedicação, o uso indiscriminado dentro dos hospitais e a prescrição de drogas de potência desproporcional à infecção é determinante para o fortalecimento bacteriano. A poderosa indústria farmacêutica exerce muita pressão sobre os médicos. Eles acabam indicando um antibiótico de terceira geração para tratar uma infecção urinária, por exemplo, que poderia ser tratada com um antimicrobiano de primeira geração, avalia Hélio José de Araújo, do Conselho Regional de Farmácias. Os profissionais da saúde também não estão livres de equívocos. Segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde, cerca de 70% das prescrições médicas contêm algum tipo de erro, seja de dosagem, tipo, duração etc. Se com os médicos o índice já é alto, imagine com a automedicação, alerta a especialista Marcela Conte.

Vítima em Recife A Secretaria de Saúde de Pernambuco confirmou a primeira morte de um paciente infectado pela superbactéria KPC no estado, onde há sete casos de contaminação. A vítima era uma mulher de 57 anos, portadora da Síndrome de Cushing distúrbio metabólico por excesso de cortisol no sangue , que estava internada em um hospital particular em Recife desde 7 de setembro. Ela havia sido diagnosticada com a superbactéria na terça-feira e morreu no mesmo dia, antes que o tratamento surtisse efeito. A Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) emitiu nota a 78 hospitais públicos e privados reforçando a obrigatoriedade da notificação dos casos de KPC.

As mudanças » A prescrição de antibióticos deve ser em duas vias: uma será retida pela farmácia e outra será carimbada e ficará com o paciente.

» Os dados do paciente e de quem comprar ficarão registrados na farmácia.

» O receituário terá validade de 10 dias. Se o medicamento não for comprado nesse prazo, o paciente terá que voltar ao médico e pedir nova prescrição.

» As farmácias terão prazo de 60 dias para se adequar às regras.

MP estuda ação contra Real Sociedade Kleber Lima/CB/D.A Press - 12/8/10 A Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), estuda a possibilidade de entrar com uma ação de improbidade administrativa contra a Real Sociedade Espanhola de Bene-ficência, gestora do Hospital Regional de Santa Maria. O promotor de Justiça da Prosus, Jairo Bisol, afirmou que conduz uma investigação sobre a atuação da instituição dentro do HRSM, mas não detalhou o conteúdo da apuração.

Temos um quadro de irregularidades graves e posturas que não condizem com o funcionamento da rede que estão sendo desdobradas por nós no aspecto jurídico. Há indícios fortíssimos de improbidade administrativa. Não basta a descontinuidade do contrato, estamos caminhando para uma ação, afirmou Bisol.

O superintendente executivo da Real Sociedade, Evandro Oliveira da Silva, disse que ficou sabendo da investigação do MPDFT por intermédio da imprensa e que não há motivos para temer um processo judicial. O contrato firmado entre nós e o GDF é muito claro e foi aprovado pelo Tribunal de Contas do DF. O que existe aqui, claramente, é a tentativa de derrubar o modelo de gestão. A atual gestão da Secretaria de Saúde e o Ministério Público são explicitamente contra o modelo de gestão do Hospital de Santa Maria, declarou Evandro Oliveira.

A secretária de Saúde, Fabíola Aguiar, argumentou em matéria publicada no Correio, ontem, que o custo da parceria em unidades de saúde de São Paulo que adotam modelos semelhantes de gestão fica em torno de R$ 7 milhões, enquanto o Hospital de Santa Maria consome R$ 11 milhões por mês. Evandro rebateu a informação.

Estudos da Organização Mundial de Saúde confirmam que modelos de gestão como o nosso são até 20% mais baratos do que a gestão praticada nos demais hospitais. Ninguém informou também de qual uni-dade de saúde de São Paulo se está fazendo referência. O Hospital de Santa Maria é o melhor hospital da rede. Não só da rede pública, mas do Distrito Federal, garantiu Evandro Oliveira. (AS)