Título: Rússia protela retomada das importações de suíno
Autor: Rocha, Amaral
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2006, Agronegócios, p. B11

A decisão da Rússia de retomar as compras de carnes apenas do Mato Grosso, anunciada ontem, tem como pano de fundo o menor interesse do país em adquirir carne suína do exterior num movimento para fortalecer a indústria local. O Brasil, que tem na Rússia seu principal cliente para carne suína, deve sentir o golpe.

Em dezembro, em decorrência do ressurgimento da aftosa no Brasil, a Rússia suspendeu as compras de carnes de oito Estados brasileiros: Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. Levantou o embargo ao Rio Grande do Sul em abril, e ontem o Ministério da Agricultura russo informou, segundo a agência oficial Prime-Tass, que retomará as importações de carnes bovina e suína do Mato Grosso produzidas depois de 1º de julho.

A decisão desagradou aos exportadores de carne suína, que têm a maior parte da produção em Santa Catarina. Já os exportadores de carne bovina comemoraram a medida, que permitirá que mais 15 plantas do Mato Grosso vendam à Rússia.

"A Rússia queria abrir [as importações] só de Estados onde haja bastante oferta de boi e pouco suíno. Esse é o caso do Mato Grosso. Santa Catarina é o oposto", afirmou Walter Fontana, presidente do conselho de administração da Sadia, a maior exportadora brasileira de carne suína e que teve o resultado afetado pelo embargo russo.

O motivo é que a Rússia criou um programa de incentivo para fortalecer sua indústria de carne suína. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção russa, que era de 1,560 milhão de toneladas (equivalente-carcaça) em 2001 deve atingir 1,785 milhão este ano.

Para um trader, que atua no mercado da Rússia, o país deve protelar a reabertura de Santa Catarina. Ele avalia que após a decisão de ontem, outros Estados produtores de carne bovina devem ser reabertos. Mas há a intenção de "frear as importações de carne suína", afirmou.

O secretário de agricultura de Santa Catarina, Felipe da Luz, concorda. "Os russos não têm vontade de abrir para suínos", disse, acrescentando que os produtores da Rússia temem a competição com carne suína brasileira. Ele informou que, semana passada, o ministro do Desenvolvimento Luís Furlan enviou a seu colega russo German Gref, carta assegurando que o Brasil não permitirá a exportação de carne suína com preços danosos à produção russa.

Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Carne Suína (Abipecs), disse estar "perplexo" com a decisão russa de reabrir apenas o Mato Grosso, em meio à visita de uma missão técnica ao país. Ele disse que a decisão não tem consistência técnica, já que Santa Catarina é livre de aftosa sem vacinação.

O embargo da Rússia, mercado que responde por 65% das exportações brasileiras, fez os embarques de carne suína despencarem até julho. Os volumes somaram 251,1 mil toneladas no período, 29% menos que de janeiro a julho do ano passado. A receita caiu US$ 489 milhões frente aos US$ 669 milhões dos primeiros sete meses de 2005, um tombo de 26,9%.

"Ainda não recebemos um comunicado oficial. Mas como o setor privado tem informações de seus parceiros comerciais, tomara que [a reabertura] seja mesmo um fato. Se confirmada, a decisão pode abrir caminho para outros Estados", disse o diretor de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Nelmon Oliveira.

Para Fontana, da Sadia, a posição russa decorre do fato de que o país tem um balança comercial desfavorável em relação ao Brasil. Os russos gostariam de vender produtos de alta tecnologia ao país, mas exportam commodities. "Enquanto isso perdurar, ficaremos com a espada em cima de nossas cabeças", afirmou Fontana. (Colaborou MZ)