Título: Redes chinesas reagem à invasão de estrangeiras
Autor: Facchini, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2006, Empresas, p. B4

Cansado (a) depois de um longo dia ajudando a alavancar a economia mais dinâmica do mundo para novos patamares? Então relaxe sob um levíssimo cobertor luxuoso, recheado de penugens do peito de 3 mil patos da Islândia, ao preço de apenas 110 mil yuan (US$ 14 mil). A Sam´s Club de Zhenzhen (a cidade mais rica da China), vendeu todo o seu estoque de três (apenas 50 unidades são produzidas a cada ano) durante o Festival da Primavera Chinês. Ou escolha uma garrafa de ouro sólido do licor baijiu por US$ 11 mil, ou uma TV de 65 polegadas por US$ 15 mil. A surpresa não é tanto os preços altos, e sim o fato da loja de Shenzhen ser parte da gigante americana Wal-Mart, que é famosa por vender aos consumidores ocidentais artigos baratos "made in China".

Os artigos de luxo dão um brilho ao mercado varejista chinês, embora a maioria dos negócios envolva a venda de produtos mais mundanos. Daí o fato da Sam´s Club de Shenzhen também ter em estoque grandes latas de óleo de cozinha, copos plásticos e outros itens a preços bem baixos. O surgimento de artigos caros entre as pechinchas diz muita coisa sobre as aspirações dos consumidores chineses modernos, assim como os esforços heróicos dos grupos varejistas mundiais para abocanhar uma parcela dos salários desses consumidores. A briga para a abertura de lojas tem feito da China um paraíso para os consumidores, mas para os comerciantes ela se tornou um mercado brutalmente competitivo onde só os fortes vão sobreviver.

Números muito grandes estão levando grupos de todas as partes do mundo a abrirem lojas na China e tomar uma parcela crescente do mercado dos comerciantes locais. As vendas no varejo na China devem crescer 13% este ano, o equivalente a US$ 860 bilhões, tornando o país o sétimo maior mercado varejista do mundo. Taxas de crescimento anual de 8% a 10% levarão isso a um valor enorme de US$ 2,4 trilhões até 2020.

Há mais de um milhão de lares urbanos afluentes, com rendas de mais de 100 mil yuan por ano, comprando regulamente artigos de luxo. Mas o poder de compra destes está sendo superado por uma vasta classe média emergente, que ganham entre 25 mil yuan (o limiar para se tornar um consumidor de fato na China) e 100 mil yuan, diz a consultoria McKinsey. Ela estima que o número desses lares vai crescer de 42 milhões em 2005 para 200 milhões até 2015.

Lojas como a Sam´s Club de Shenzhen mostram o quanto o varejo mudou na China. Há apenas duas décadas, as lojas possuíam funcionários carrancudos que ofereciam uns poucos itens sem graça. Mesmo assim, ainda há muito o que percorrer. Ainda hoje, grande parte da população faz suas compras em mercados ou diretamente dos produtores. O varejo organizado continua sendo novo. A maioria das lojas chinesas são empreendimentos familiares diminutos. As 100 maiores redes chinesas respondem por apenas um décimo das vendas totais no varejo.

Quando as reformas econômicas chinesas começaram, lojas de departamentos estatais, como a Dalian Dashang e a Wangfujing, prevaleciam. Foi apenas no fim da década de 90 que surgiram os supermercados especializados e as redes de lojas de produtos eletrônicos e de decoração. Mesmo assim, a maior delas não é nacional. O protecionismo local levantou obstáculos burocráticos ao transporte de produtos através das fronteiras das províncias. Muitas restrições permanecem, afirma Joe Hatfield, presidente da Wal-Mart Asia. Como o número de varejistas nacionais e marcas nacionais é pequeno, as economias de escala são difíceis de serem obtidas. A maioria dos comerciantes usa uma infinidade de pequenos fornecedores que operam através dos atacadistas. Isso aumenta os custos e reduz a eficiência.

Mesmo assim, a chegada dos grupos varejistas estrangeiros está mudando as coisas. Além da Wal-Mart, outras gigantes estão se instalando no país, incluindo o Carrefour da França, a B&Q do Reino Unido e a Parkson da Malásia. As empresas estrangeiras respondem por 23% das vendas das 100 maiores companhias varejistas de alimentos da China. Mais delas estão chegando com o fim de regras que restringiam as redes estrangeiras a um punhado de grandes cidades. Em 2005, mais de mil novos varejistas receberam aprovação para operar, dos quais mais da metade tinham investidores estrangeiros. Há hoje mais de mil redes estrangeiros na China, em comparação com 314 dois anos atrás.

Os concorrentes locais respondem com descontos e podem vir acompanhados de táticas sujas: algumas lojas enviam "clientes" falsos a novas lojas de concorrentes para adquirir todos os itens em promoção antes que os verdadeiros clientes cheguem até eles.

Enquanto isso, os custos no varejo estão subindo. Com a urbanização, os preços dos imóveis comerciais dispararam e os comerciantes se deparam com preços duas ou três vezes maiores na renovação de seus contratos de aluguel. Entre 2002 e 2004, os gastos com propaganda subiram 50% ao ano em todas as categorias de produtos de consumo na China. E o crescimento dos salários está superando os ganhos de produtividade.