Título: Candidatos reciclam projetos emperrados
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 24/10/2010, Política, p. 2

eleições 2010 Muitas das promessas de Dilma e Serra são similares a propostas de lei que tramitam há anos no Congresso sem perspectiva de aprovação

A lista de promessas feitas pelos presidenciáveis José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) mostra que os candidatos e coordenadores de campanha conhecem bem os temas capazes de atrair votos. No entanto, muitas das propostas citadas como bandeiras não são novidades. A maior parte já poderia ter virado lei há anos, não fossem divergências partidárias e entraves que um projeto sofre durante a tramitação no Congresso. O Correio fez um levantamento das juras feitas pelos candidatos e constatou que a maioria já consta em propostas feitas por parlamentares e que sofrem com a falta de acordo. Quase todas estão estagnadas nas comissões por conta da falta de consenso entre os partidos.

Enquanto esses projetos esbarraram nos diferentes interesses políticos que circulam no Congresso, seus temas ganham as ruas e o os programas eleitorais. É o caso, por exemplo, da promessa de Serra de criar bolsas para escolas técnicas. A proposta prevê um programa chamado Protec, destinado a estudantes de baixa renda. A ideia agradou a muitos, mas passou longe da originalidade. Desde 2007, tramita na Câmara o PL nº 2551, de autoria de Antonio Palocci (PT-SP). O projeto prevê a concessão de auxílio em instituições técnicas para integrantes de famílias que ganhem até três salários mínimos. A matéria estacionou na Comissão de Educação desde março de 2008.

O tucano tem feito outra promessa que já foi tema de proposição petista. Serra garante que seu governo irá privilegiar a entrada das mulheres no mercado de trabalho. O PL nº 1629/07, de Antonio Medeiros (PT-PI), prevê incentivo fiscal às empresas que contratarem empregadas chefes de família. O candidato também diz que se for eleito irá reduzir os impostos cobrados em cima de medicamentos. Um projeto prevendo a mesma coisa estacionou na Câmara. O PL nº 6084/05 foi proposto pelo deputado Fernando de Fabinho (DEM-BA) e prevê a isenção de PIS/PASEP e COFINS dos remédios. A matéria depende do parecer de um petista. Em maio, o deputado José Guimarães (CE) foi designado relator na Comissão de Finanças. Desde então, a proposta está parada.

Da mesma forma, a Lei de Responsabilidade Sanitária, proposta por Dilma, já foi pensada pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR), em 2007. O parlamentar propõe a criação de regras para responsabilizar agentes públicos na área da saúde. Um texto semelhante ao discurso repetido pela candidata. O projeto do petista parou na Comissão de Finanças em maio de 2009.

A melhoria dos salários dos professores também é promessa frequente no programa eleitoral de Dilma. O tema está em uma dezena de projetos que tramitam no Congresso. Dois resumem bem o discurso da presidenciável. Um foi apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e prevê piso salarial para profissionais do magistério da educação básica. O outro é de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e estabelece o pagamento de 14º salário para profissionais de educação. Ambos estagnaram nas comissões à espera de acordo dos partidos.

Dilma também repete na campanha o que o senador Paulo Paim (PT-RS) tenta aprovar no Congresso desde 2007: a criação de creches para pessoas carentes. A candidata promete seis mil novas. O PL nº 574/07, do parlamentar gaúcho, obriga a União a prestar assistência gratuita aos filhos e dependentes dos trabalhadores urbanos e rurais. Não conseguiu emplacar até hoje.

Coincidências Há também os temas que, de tão populares, entraram na lista de promessas dos dois candidatos: a distribuição gratuita de medicamentos é exemplo. Pelo menos três projetos parados no Congresso propõem a mesma coisa. Um deles tem teor semelhante ao discurso dos candidatos e está parado na Comissão de Seguridade. O PL nº 5882/09, do deputado Damião Feliciano (PDT-PB), prevê o Bolsa Medicamento para beneficiar portadores de doenças crônicas. A proposta recebeu parecer contrário do deputado Eleuses Paiva (DEM-SP). O parlamentar, cujo partido está na coligação de Serra, alegou que seria contraditório editar uma lei que preveja o direito de determinado grupo social, como os idosos pessoas carentes, a ter acesso a remédios. Para ele, seria como dar a poucos um direito. Além disso, argumentou que a distribuição gratuita já existe nas leis atuais.

Costuras complexas Cientista político e especialista em eleições, Ricardo Caldas considera a coincidência de temas entre as propostas paradas no Congresso e as de campanha um indício do conhecimento que os políticos têm dos anseios da sociedade. Ao mesmo tempo, demonstra a dificuldade de costurar acordos no parlamento. ¿Os candidatos sabem da importância dessas propostas. O problema é que a agenda muda e esses projetos são atropelados por urgências. Daí a coincidência da aparição desses assuntos na pauta eleitoral¿, avalia.